Tororó do Rojão! Forró, suor e fuleiragem

Tororó do Rojão, um artista no palco

Manuel Apolinário da Silva, o Tororó do Rojão, 70 anos, quatro discos, dois LPs e dois CDs, muita história na bagagem, e muita fuleiragem também. Como o nome sugere, Tororó é o pipoco do trovão, uma força da natureza, o elemental do forró.

Em sua trajetória, foi parceiro-irmão de Jacinto Silva, personagem importante na sua história, “eu e ele, a gente era nó que ninguém desatava”, diz Tororó. Também foi zabumbeiro de Luiz Gonzaga e até motorista do grande Rei do Baião. Conta que já se apresentou em tanto lugar por esse Brasil afora que nem lembra mais por onde passou. Sobre os companheiros acima citados e sobre o Rei do Ritmo ele diz “Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga e Jacinto Silva nunca cantaram nada feio na vida”.

Forró, xote, maxixe, xaxado, samba, coco, Tororó é um artista eclético e completo, representante autêntico dos ritmos construídos no nordeste do Brasil, compositor inteligente, de letras de duplo sentido, engraçadas, acidas, sensuais, por vezes melancólicas ou incomodas, por outras, somente belas canções, da mais inspirada poesia popular.

Algumas de suas músicas mais conhecidas apresentam refrões como “Seu Cuca é eu” em “Seu Cuca”, ou “Forró Gay”, onde ele tira uma onda com o preconceito em seus versos, o que causou repercussão na comunidade gay local, produzindo reações e opiniões diversas.

Assim é Tororó, polêmico, cômico, desbocado, boêmio, poeta, querido por todos, e todos os adjetivos são poucos.

Fui visitar Tororó em sua casa azul no bairro do Poço, região conhecida em Maceió como Bomba da Marieta. Fui acompanhado de Railton Sarmento, o Rato, rimador e flautista da banda Xique Baratinho, conhecedor e fazedor do verso popular alagoano, e amigo de longas datas do Tororó do Rojão. Ao bem da verdade, Rato é outra figura e tanto, uma cruza de Ian Anderson com Didi Mocó e Caju & Castanha.

Tororó nos recebeu com a alegria de sempre, apesar de alguns problemas de saúde recentes, mas que segundo ele “foi só uma dor aqui e ali, já fui ao médico e estou me tratando, estou bom já, só não pode tomar cachaça”, avisou antes que convidássemos.

Fazia calor naquela tarde que anunciava o verão e fomos para o quintal da sua casa, onde estava mais fresco. Tororó contou sua história.

Menino de Engenho

Nascido em Matriz do Camaragibe, norte de Alagoas, o pequeno Manuel Apolinário perdeu seu pai muito cedo, entre oito e nove anos de idade, ele e sua mãe viúva, Maria, foram trabalhar em uma usina da região. “Eu limpava cana, colocava na esteira, fazia de tudo, mas o que eu gostava mesmo era de jogar futebol” conta Tororó.

Sua paixão de menino pelo futebol o levou a jogar bola com os filhos dos usineiros e se tornaram amigos. Em certo momento, surgiu uma pessoa que mudaria para sempre seu destino de menino do canavial. Dona Nadir Pantaleão foi como uma segunda mãe para o pequeno Manuel Apolinário, ele conta que a senhora chegou pra ele e perguntou “quer ir viver em Maceió comigo?” e ele, nervoso e confuso, foi pedir chorando para que a mãe o deixasse ir. Com muita dor, Maria o deixou partir com dona Nadir, quem sabe encontrava um destino melhor na capital.

E encontrou, chegando a Maceió, Tororó descobriu as letras, foi para a escola alfabetizar-se, “estudei até o quarto ano, quando vi, já sabia ler, pegava o jornal e lia tudo, ‘Rio de Janeiro tal e coisa’, ‘em São Paulo isso e aquilo’, pronto, depois que já sabia ler, ia comprar pão e depois jogar ximbra (bola de gude).”

Mas Tororó era bom mesmo no futebol, ele conta “tem gente das antigas aqui em Maceió que me conhece mais como jogador que como cantor, eu fui camisa 10 tricampeão antes do Pelé nessa porra, pelo Sport Clube Alagoas, de Maceió”.

Quanto à música, Tororó conta que surgiu na sua vida “ainda menino”, escutando sua mãe cantar coco “com os cabras” em Matriz, e ele cantava junto também, e de lá até hoje sem parar, feito cantiga de grilo, como se diz por aqui.

Depois de alguns anos morando em Maceió, Tororó recebeu uma carta de sua mãe Maria, ela contava que estava pedindo esmola para comer na cidade natal. Compadecida, Dona Nadir trouxe a mãe do agora jovem rapaz Manuel para viver em Maceió, e alugou uma casa próxima a sua para eles viverem. “Gente muito boa, muito boa mesmo” repete Tororó com a voz carregada de gratidão.

Na época da chegada de sua mãe a Maceió, Tororó saia de casa para trabalhar em um posto de gasolina, e depois desenrolou seu caminho profissional como servente, mecânico, assistente, e claro, cantor.

Tororó e o palco, um artista performático

No meio da conversa, Rato comentou sobre o episódio ocorrido durante a turnê Alagoas em Cena, quando artistas alagoanos de diversas linguagens viajavam para apresentar suas produções em outros estados. Nesta espécie de caravana, quando da ida a cidade do Rio de Janeiro, alguns destes cantores e bandas foram escalados para tocar na Feira de São Cristóvão, também conhecida como Feira dos Nordestinos, ou ainda Feira dos Paraíbas.

Segundo Rato, os artistas se apresentaram na praça com todas as suas sofisticações roqueiras e jazzísticas, inclusive o Xique Baratinho, sua própria banda, sob os olhares desconfiados do público que fazia questão de demonstrar seu descontentamento. Os dois contam, rindo, que um comerciante local chegou a pedir para um artista parar, que aquilo estava arruinando seu negócio.

…“Mas quando esta encomenda subiu ao palco” disse Rato apontando pra Tororó que ria orgulhoso, “foi uma comoção só, tanta gente dançando que mal cabia no lugar, e todos aplaudiam o cabra, negócio da gota!”.

Tororó interrompe. “Os lindos lá num canto (se referindo aos outros artistas alagoanos), teve um que quase leva uma cadeirada pra sair do palco”. E ria com vontade aquele sorriso de Tororó.

Realmente, é impressionante como um sujeito tão pequenino em estatura, se torna um gigante no palco, impossível ignorá-lo. Seu gestual, na interpretação das músicas, é uma marca registrada, cada palavra acompanha um gesto para descreva-la, capaz de fazer o mais mal humorado dos sujeitos estampar um grande sorriso no rosto, daqueles irrefreáveis. Acompanhado de seu trio, Os Inseparáveis do Forró (Vavá dos Oito Baixos, o zabumbeiro Tainha e Aluizio no triangulo), o cantor pula, faz pirueta, dança e anima seu público lá de cima, do alto dos seus 70 anos.

É por isso que muita gente em Maceió ficou espantada com a ausência de Tororó do Rojão na programação oficial dos festejos juninos de 2007 na capital alagoana, onde o cantor sempre reinou absoluto.

Artistas, público e imprensa pressionaram e questionaram a prefeitura sobre a ausência de Tororó nos palcos, já que o cantor é convidado até para eventos com um perfil mais rock/pop como foi o caso do Festival de Música Independente de Maceió. Mas não adiantou reclamar, Tororó ficou de fora, e sem a renda com a qual contava durante o período do ano mais fértil para sua música. Algo semelhante a perder a colheita.

Questionado sobre este episódio, Tororó respondeu, “o prefeito é um forrozeiro muito bom (Cícero Almeida, prefeito de Maceió, é cantor de forró de longas datas), convidou-me pra tocar no São João de 2006, e eu fiz o show num ginásio enorme, topado de gente que teve parente meu que não conseguiu entrar, de rocha mesmo rapaz, no dia seguinte, tava cheio de Tororó do Rojão na Gazeta…”

Interrompi pra perguntar se no jornal impresso ou na emissora de TV. Ele gritou “TUDO! Globo porra! Teve uma vez que eles foram comigo até Matriz, me atrapalhe não”, e continuou, “Depois que fiz esse show pra cá, ele (o prefeito) não contrata mais ninguém. Vê isso? Foram fazer fofoca de que eu tava falando mal dele, e eu falo mal de ninguém? Inclusive o acho um prefeito muito bom, que está cuidando da cidade e pagando o pessoal em dia. Ele disse que não toquei no São João por não ter procurado a prefeitura, procurei tanto que furei o sapato de tanto procurar, ele não devia escutar o que o povo diz e deixar de bronca comigo”, finaliza.

Sem nenhuma apresentação na agenda, o artista vive com uma pequena aposentadoria que coloca comida na mesa de uma família que, pelo que pude observar, trata Tororó com grande respeito e admiração que ele merece.

“Artista aqui só serve pra votar e pagar IPTU”! Dispara bravo.

Antes de nos despedirmos, Rato perguntou ao amigo, “Tororó, tem alguma coisa que você deixou de fazer e ainda gostaria de realizar?”

“Eu quero tocar no programa da Xuxa. Fiz uma música linda pra ela e queria ir com meu time cantar por lá.”

Discografia:

LPs: Tororó do Rojão e Nelson do Acordeom  * Aqui Tem Forró (1979) *  Segura Menino (1981)

CDs: O povo não quis acreditar (2004)

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