Jararaca e Ratinho

Jararaca e Ratinho, mestres na arte do riso

José Luiz Rodrigues Calazans, “Jararaca” (Maceió AL 1896 – Rio de Janeiro RJ 1977), e Severino Rangel de Carvalho, “Ratinho” (Itabaiana PB 1896 – Duque de Caxias RJ 1972). Dupla sertaneja formada em 1927 no Rio de Janeiro. Oriundos do grupo folclórico Turunas Pernambucanos, Jararaca e Ratinho inovam ao captar o interesse do público pela moda sertaneja, adaptando o formato da dupla caipira sulista à música e ao humor nordestinos. Radicados na capital fluminense desde 1922, o violonista Jararaca e o saxofonista e clarinetista Ratinho realizam suas apresentações com desafios, cocos, emboladas, choros, marchas e valsas, e fazem sucesso entre os anos 1930 e 1940 no teatro e na rádio ao caracterizar o matuto brasileiro, uma fusão do caipira do Sudeste e o sertanejo do Nordeste.

Para reforçar essa intenção, o figurino é determinante: camisa xadrez, calça listrada de brim, paletó menor que o manequim, lenço no lugar da gravata e chapéu de palha de aba curta (diferente daquele de cangaceiro que usam no Turunas Pernambucanos). Não bastasse a indumentária, Jararaca ostenta um violão cujo braço dá volta pelas costas do instrumentista, como se fosse uma cobra.

Eles estreiam no cinema em 1930 com Coisas Nossas (Wallace Downey), um dos primeiros sucessos do cinema falado no Brasil. Ainda nesse começo de década, a dupla é a estrela da Casa de Caboclo, companhia teatral instalada no saguão do Teatro São José, por onde passam Pixinguinha, Dercy Gonçalves e Noel Rosa. Jararaca e Ratinho encenam 24 peças.

A forma de apresentação da dupla é caracterizada por uma conversa entre compadres que narram as aventuras e as desgraças desse novo matuto na cidade grande. Recheado de causos e piadas que, muitas vezes, satirizam a política e os costumes da época, o bate-papo é pontuado por números musicais.

De origem circense, o humor da dupla está assentado na improvisação, se define no teatro de revista e se consagra na rádio. Ali, sem contar com os recursos visuais e gestuais, Jararaca potencializa sua capacidade de improvisador e de humorista; Ratinho é o contraponto, explora sua musicalidade para ressaltar a ironia e a sagacidade do parceiro. Além do improviso – recurso comum dos desafios nordestinos -, Jararaca e Ratinho trabalham com várias categorias do humor, como o trocadilho, a surpresa, o nonsense, o desafio (CaipiradaDesafiandoLá Vem DesafioChico Onça, a paródia e o jogo de palavras.

Registram em disco os quadros que fazem sucesso ao vivo: ao todo, gravam 68 faixas de humor, sendo “Caipirada” e “Lista do Baile” as duas primeiras, de 1929. Esse humor radiofônico influencia Lauro Borges e Castro Barbosa, criadores do programa humorístico PRK-30, da Rádio Nacional, que faz história nos anos 1940 e 1950.

Principal compositor da dupla, influenciado por violeiros, seresteiros e cantadores, Jararaca não tem formação musical formal. Ainda assim, faz parceria com Herivelto Martins (“Adeus”), Pixinguinha (“Zé Bambino”), Donga (“Casca de Banana”), Guerra-Peixe (“Me Leva, Baiana”), Luiz Gonzaga (“Quem É?”), Laurindo de Almeida (“Que Chero Bom!”). Porém, mostra-se um autor sem fronteiras, compõe sambas sertanejos, desafios, cocos, maxixes, sambas-choros, valsas e toadas. De todos os gêneros, é na embolada que se destaca como criador de sucessos, como em “Espingarda Pá” (1929), “Sapo no Saco” (1929), “Sabiá” (1934), gravada por Silvio Caldas, “Catirina” (1954), regravada por Jackson do Pandeiro e Quinteto Violado, e “Itararé” (1930), e como intérprete privilegiado, comparado a Manezinho Araújo e Minona Carneiro.

A malícia, o duplo sentido, a comicidade e o nonsense estão presentes tanto em seu principal sucesso, a marcha carnavalesca “Mamãe Eu Quero” (1937), em parceria com Vicente Paiva – interpretada por Almirante e também por Carmen Miranda no filme hollywoodiano Serenata Tropical (1940), ganha versão em inglês na voz de Bing Crosby (“I Want My Mamma”) -, como em boa parte de sua obra.

Seu último parceiro, Tom Jobim, transforma o verso “Inda onti vim de lá do Pilá / Onti vim de lá do Pilá / Tô com vontade de ir por aí” – retirado do rojão “Do Pilá”, de 1938, que tem a parceria de Augusto Calheiro e Zé do Bambo – em refrão de “Boto”, uma de suas composições da fase dedicada ao meio ambiente no disco Urubu, de 1976. Ironicamente, é a vez de o compositor da cidade migrar para o campo.

Ratinho é um instrumentista virtuoso, introspectivo e menos afeito à improvisação, e se dedica à música não cantada (é autor de clássicos do choro como “Saxofone, por que Choras?”, “Pinicadinho”, em parceria com Jararaca, e da valsa “Vera”) e à arte dramática. Durante a Semana Santa interpreta Pôncio Pilatos na encenação da Paixão de Cristo.

A história de Jararaca e Ratinho coincide com a fase de ouro do rádio no Brasil (1930-1950), eles passam pela Rádio Phillips, Mayrink Veiga e Rádio Tupi, mas é na Rádio Nacional, entre 1941 e 1945, com o Programa Jararaca e Ratinho, que atingem o ponto alto da carreira. A segunda temporada da dupla na Rádio Nacional dura dez anos (1955 a 1964), encerrada com o golpe militar, de 1964, que, baseado em informações fornecidas pelo radialista Cesar de Alencar, afasta 36 profissionais da emissora, acusados de opositores do regime.

Jararaca e Ratinho passam a viver de shows e excursões, direitos autorais e participações em TV, como no programa A-E-I-O-Urca e Flávio Cavalcanti, ambos na TV Tupi, Balança Mas Não Cai, Uau e Alô, Brasil, Aquele Abraço!, todos na TV Globo. Em 1970, estrelam seu último filme, Salário Mínimo, de Adhemar Gonzaga. A dupla se encerra em 1972 com a morte de Ratinho. Jararaca segue no palco, na rádio e na TV, e participa de programas como o Chico City (TV Globo), de Chico Anysio, interpretando o Cangaceiro Sucuri.

Fonte de pesquisa: www.enciclopedia.itaucultural.org.br

RÁDIO CORREIO AM 1200 - MACEIÓ