Benditos: cantos de fé do povo

Cantoras de benditos e rezadeiras

Na religiosidade popular os benditos se transmitem em família, ou passam de pessoa para pessoa por meio da cadeia ininterrupta da oralidade, numa troca de experiências em que o poder da voz assenta uma orientação segura, tornando-se na sociedade um modo de pensamento e ação. A religião do povo é muito rica em suas manifestações. No Brasil o bendito integra a prática devocional e se assenta sobre lideranças leigas: rezadores, benzedores, curandeiros, mestres de cerimônias.

 Além disso, os benditos fazem parte de todas as regiões geográficas: as pesquisas realizadas para este estudo revelam que os benditos estão em espaços territoriais definidos por certas características que dão unidade de ideias, sentimentos, estilos de vida, a um grupo populacional. Os bendito no Brasil se configuram como patrimônio cultural imaterial. Na sua linguagem, muitas comunidades revelam seus modos de vida.

Os benditos dão forte expressão regional, em particular, tornam possível o equilíbrio do desenvolvimento social, ou seja, a identidade. A tradição é o universo que tem a memória como o suporte para a transmissão de seus repertórios, mantém a necessária ativação do imaginário implicando um funcionamento partilhado pelo conjunto de indivíduos de uma sociedade.

 O Bendito de Nossa Senhora da Conceição faz uma menção explícita ao ramo de palmeira que Maria recebeu antes de sua morte, conforme atestam os apócrifos marianos. No apócrifo Descanso de Maria, Jesus, em forma de anjo, vai ao encontro da mãe e lhe dá um ramo de palmeira do paraíso. Já no Bendito citado é o devoto que se levanta de madrugada para ir ao encontro de Maria, chamada de Nossa Senhora, Aparecida e Conceição.

 Assim canta o bendito:

Levantei de madrugada pra varrer a Conceição.

Encontrei Nossa Senhora com seu raminho na mão.

 Eu pedi a ela o raminho. Ela me disse que não.

 Eu tornei a lhe pedir. Ela me deu seu cordão.

*

O cordão era tão grande, que do céu rastava ao chão.

 Ainda dava sete voltas em redor do coração.

 Numa ponta tem São Pedro. Na outra, Senhor São João.

No meio tem um letreiro da Virgem da Conceição.

 O acalanto ou cantiga de ninar, Nossa Senhora na beira do caminho, obra datada do século XIV,  retrata o cuidado de Maria, mulher e mãe, com o seu filho. Não falta aqui, além da docilidade maternal de Maria, a teologia da cruz-sofrimento prefigurada pela mãe. Vejamos a letra.

Nossa Senhora na beira do rio.

Lavando os paninhos de seu bento Filho.

Maria lavava e José estendia.

O menino chorava do frio que fazia.

 *

Não chore menino, calai meu amor.

Que a faca que corta dá o golpe sem dor.

Os filhos dos ricos em berço dourado.

 *

E vós, meu menino, em palha deitado.

No monte Calvário, avistei uma cruz.

É cama e travesseiro de meu Bom Jesus.

A teologia mariana desse bendito, ao fazer uso da tradição apócrifa, liga o papel de Maria-mãe com o sofrimento de seu filho, Jesus, marcado pelo destino da morte no calvário de Jerusalém. Maria é a mãe do sofrimento. Ser mãe é quase aceitar esta condição de mulher.

O devoto acaba criando resignação.

 O fim último da vida é o sofrimento. Nada há para ser feito. Nem mesmo o menino Jesus precisa chorar, pois “a faca que corta dá golpe sem dor”.

Fonte: www.scielo.br

 

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