
Luiz Gonzaga do Nascimento (Exu, Pernambuco 1912 – Recife, Pernambuco 1989). Instrumentista, compositor e cantor. É filho do lavrador e sanfoneiro Januário, conhecido em toda a redondeza. Aos 8 anos de idade substitui um sanfoneiro em uma festa tradicional e, a partir daí, os convites tornam-se frequentes. Aprende com o pai a afinação dos foles de oito baixos e o acompanha animando sambas em terreiros pelo sertão do Araripe.
Em 1930, foge de casa e alista-se no Exército, na cidade de Fortaleza. Após o término do tempo legal do serviço militar decide continuar servindo. Em 1939, dá baixa das Forças Armadas e desembarca no Rio de Janeiro. Com sua sanfona Honner branca, toca valsa, tango, choro, foxtrote e outros ritmos da época, na zona do meretrício do Mangue. Por intermédio do músico baiano Henrique Xavier Pinheiro, vai morar no morro de São Carlos.
Na década de 1940, toca todo tipo de música e tem como referência artistas famosos da época, como Manezinho Araújo (1910 – 1993), Augusto Calheiros (1891 – 1956) e Antenógenes Silva (1906 – 2001). Começa a apresentar-se em programas de rádio e consegue nota máxima no programa Calouros em Desfile, de Ary Barroso (1903 – 1964), na Rádio Tupi. Pouco tempo depois trabalha com Zé do Norte (1908-1979) no programa A Hora Sertaneja, na Rádio Transmissora.
A primeira reportagem sobre Gonzaga é publicada, em 1941, na revista carioca Vitrine, com o título Luiz Gonzaga, o Virtuoso do Acordeom. Nos anos seguintes grava cerca de 30 discos 78 rpm, muitos choros, valsas e mazurcas, até então só instrumentais, a exemplo da mazurca Véspera de São João, com Francisco Reis, e a valsa Numa Serenata. É levado por Renato Murce (1900-1987) para o programa Alma do Sertão, na Rádio Clube do Brasil. Em 1944 é contratado pela Rádio Nacional, em que o radialista Paulo Gracindo (1911-1995) divulga seu apelido “Lua”, por causa do rosto redondo.
Grava a mazurca Dança Mariquinha, parceria com Miguel Lima, em 1945. No dia 22 de setembro, desse ano, nasce seu filho, o cantor e compositor Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, Gonzaguinha (1945-1991). Em 1947, lança a toada Asa Branca, sua parceria com Humberto Teixeira (1915-1979), canção de sucesso que, posteriomente, ganha muitas regravações, entre elas a do Trio Irakitan, em 1958; Radamés Gnattali (1906 – 1988), em 1960; Agnaldo Rayol (1938), em 1964; Geraldo Vandré (1935), em 1965; Dom Salvador (1938) e Walter Wanderley (1932 – 1986), em 1969; Caetano Veloso (1942), em 1971; Gilberto Gil (1942), Hermeto Pascoal (1936), em 1973; Quinteto Violado, em 1972; Raul Seixas (1945-1989), em 1977; Baden Powell (1937-2000), Toquinho (1946), em 1979; Sivuca (1930 – 2006), em 1980; Lulu Santos (1953), em 1988; Gil e Tom Zé (1936), em 2000.
Ainda em 1947, conhece, no Recife, o médico e compositor pernambucano José Dantas de Souza Filho, Zé Dantas (1921-1962), outro parceiro importante, com quem grava os xotes Vem Morena e Cintura Fina, a toada A Volta da Asa Branca e Forró de Mané Vito, todas de 1950.
Assina contrato com a gravadora Copacabana, em 1988, que no ano seguinte lança os quatro últimos LPs da carreira de Gonzaga: Aquarela Nordestina, Luiz Gonzaga e Sua Sanfona – vol. 2, Forrobodó Cigano – Luiz Gonzaga (instrumental), Vou Te Matar de Cheiro. No dia 6 de junho de 1989, sobe pela última vez no palco, no Teatro Guararapes, no Centro de Convenções do Recife. Em 1994, é lançado pela Som Livre A Volta do Asa Branca – Tributo a Luiz Gonzaga, com canções interpretadas por Caetano Veloso, Marisa Monte (1967), Gal Costa (1945), Gilberto Gil, entre outros. Três anos mais tarde, Dominguinhos (1941-2013) lança pelo selo Velas o tributo Dominguinhos & Convidados Cantam Luiz Gonzaga. Zé Ramalho (1949) faz uma homenagem com o disco Zé Ramalho Canta Luiz Gonzaga, em 2009.
Em 2012, o centenário de Luiz Gonzaga é celebrado com os discos Gilberto Gil Canta Luiz Gonzaga, Genival Lacerda Canta Luiz Gonzaga no Balanço no Forró e As Sanfonas do Rei – Tributo aos 100 Anos de Luiz Gonzaga, pelo grupo Falamansa, além de eventos e shows em várias cidades do Brasil, principalmente em Exu, sua cidade natal.
Análise
Luiz Gonzaga é um grande ídolo do Nordeste do Brasil e um dos primeiros porta-vozes da cultura nordestina. Também produz jingles, no início da década de 1950, como o do Colírio Moura-Brasil, que organiza excursões do compositor por todo o país.
Eu vou mostrar pra você
como se dança o baião
e quem quiser aprender é só prestar atenção…
A composição Baião, em parceria com Humberto Teixeira, lança um novo ritmo na praça, que rapidamente vira mania nacional, dos bailes das periferias aos salões mais grã-finos. Antes o baião era um ritmo do folclore longínquo. Com grande conhecimento da Região Nordeste, Gonzaga constrói sua música com referências e significantes do campo.
A cultura nordestina, em meados da década de 1940, toma o eixo Rio–São Paulo, ao mesmo tempo que um grande contingente de retirantes da região trabalha como mão de obra na urbanização do país. É muito forte a presença de suas composições nos bailes populares e nas cantorias dos operários migrantes, das grandes cidades do Sudeste.
O trio musical formado por sanfona ou acordeom, zabumba e triângulo é uma criação do compositor. Essa formação musical facilita a mobilidade, exige cachê menor, poucos músicos, além de mostrar os instrumentos típicos do Nordeste: a zabumba, muito usada pelas bandas de pífanos em novenas, e o triângulo, usado pelos vendedores ambulantes para apregoar seus produtos. Gonzaga percorre o Brasil em cima de um caminhão e mostra o Nordeste para o país e para boa parte do mundo. É o responsável pela construção da identidade do sertanejo da região nos meios de comunicação de massa.
A jornalista Regina Echeverria, no livro Gonzaguinha e Gonzagão – Uma História Brasileira, lembra que o sanfoneiro, no começo da carreira, não se veste como cangaceiro. “Ele toca sanfona sempre de terno, porque acha muito chique, mas depois de ver o sanfoneiro gaúcho Pedro Raimundo (1906-1973) se vestir com bombacha e outras roupas típicas do Sul, pensa: ‘Se ele pode, eu também posso’.”
Para o cantor e compositor Sergival Silva (1965), “a imagem do nordestino projetada através do seu figurino – chapéu de couro, inspirado em Lampião, a jaqueta de couro, inspirada no vaqueiro, as alpercatas de couro, os embornais – constituíram a grande contribuição de Luiz Gonzaga para popularizar o Nordeste como um todo no país”.
Adapta um instrumento musical europeu, muito utilizado no Brasil nas interpretações de valsas e tangos e o transforma de tal maneira num padrão tão sólido de sonoridade nordestina que nos dias de hoje se torna impossível dissociá-lo das melodias, antes executadas pelas rabecas ou violas. Essa ligação é tão forte que fez muitas pessoas acreditarem que a sanfona é um instrumento nordestino.
Gonzaga e seus parceiros letrados possibilitam a abertura para uma grande quantidade de ritmos e gêneros regionais, como o xaxado, a toada, a quadrilha, o aboio, o xote, o coco, o maracatu.
No CD Fé na Festa, Gilberto Gil experimenta sons e ritmos que remetem à sua infância e cita como referência maior seu grande mestre Luiz Gonzaga. “Ele foi responsável por isso, pela reunião de todos esses aspectos interioranos de expressão mundial, poética, de falas e modos de ser. Tornou-se o grande primeiro artista popular do país e apenas nos tempos atuais pode ter algo comparável. Passei os primeiros momentos interessantes da infância, no sertão, no interior da Bahia, exatamente onde essa música pulsava através de Luiz Gonzaga e tantos outros representantes e dos grandes programas que vinham da Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, e das rádios de São Paulo, Bahia, Pernambuco. Foi um momento em que o rádio recolonizava o Brasil e o preparava para outra fase de desenvolvimento.”
Sergival afirma ainda que Gonzaga e seus parceiros Humberto Teixeira e Zé Dantas mapearam a cultura popular nordestina nas letras de suas músicas. “Os animais, os pássaros, os rios e outros elementos citados nas letras retratam o cotidiano do nordestino, a agricultura de subsistência, a vegetação, a seca. E aí ele entra na questão social, nos reflexos da seca.”
Com Dantas, por exemplo, compõe Vozes da Seca cujo trecho inicial diz:
Seu dotô os nordestino têm muita gratidão
Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão
Mas dotô uma esmola a um homem qui é são
Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão
Com essa música o compositor procura reivindicar providências do então presidente Getúlio Vargas para a difícil situação da população afetada pela seca que atinge especialmente o Nordeste.
O encontro com Teixeira é fundamental para o lançamento do músico como cantor, o que lhe traz popularidade nacional, sobretudo a partir da gravação de Asa Branca.
Para o compositor Luiz Tatit (1951), Gonzaga e Teixeira “aproveitaram muita coisa trazida diretamente da fonte, mas a grande contribuição à música popular foi, sem dúvida, a concepção de uma canção (texto e melodia) semelhante às que tocavam na rádio, mas com um vigor especial de pulsação rítmica sustentada pela base instrumental”. O baião comercial representa naquele momento uma alternativa ao samba-canção de meio de ano.
No Nordeste brasileiro o modalismo (sempre presente na música de tradição oral) encontra-se de forma importante nas músicas da região e também nas composições de Gonzaga. O modo mixolídio, que tem o sétimo grau da escala maior rebaixado meio-tom; o modo lídio, que apresenta o quarto grau da escala aumentado meio-tom e a coexistência dos dois modos na mesma melodia. Asa Branca e Juazeiro, canções em parceria com Teixeira, são exemplos de composições em que a sétima da escala é rebaixada, característica do mixolídio.
A obra de Gonzaga influencia músicos de diferentes vertentes como os bossa-novistas João Gilberto (1931), com seu baião Bim Bom; Eumir Deodato (1943), com Baiãozinho; Carlos Lyra (1939) e Vinicius de Moraes (1913 – 1980), com Pau de Arara; o roqueiro Raul Seixas, com a canção Let Me Sing, na qual ele canta “tenho 48 quilos certo? / 48 quilos de baião”; e os Mutantes que gravam Adeus Maria Fulô (Sivuca e Humberto Teixeira), além de fomentar discípulos na geração de 1970 como Alceu Valença (1946), Fagner (1949), Elba Ramalho (1951), Zé Ramalho, Geraldo Azevedo (1945), Belchior (1946), Moraes Moreira (1947) e Ednardo (1945).
Fontes de pesquisa
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ALBIN, Ricardo Cravo. O livro de ouro da MPB: a história de nossa música popular de sua origem até hoje. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
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CAMPOS, Augusto de. Balanço da bossa e outras bossas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1968.
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DREYFUS, Dominique. Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga. São Paulo: Ed. 34, 1996.
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ECHEVERRIA, Regina.Gonzaguinha e Gonzagão – uma história brasileira. São Paulo: Leya, 2012.
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LUIZ GONZAGA. Site oficial do artista. Disponível em: < http://www.luizluagonzaga.com.br/ >. Acesso em: 28 jan. 2013.
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PESTANA, Maurício. De Luiz Gonzaga a Barack Obama. Raça Brasil, São Paulo, 16 maio 2011. Edição 154. Disponível em: http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/154/artigo214821-1.asp. Acesso em: mar. 2013.
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SEVERIANO, Jairo e MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo:85 anos de músicas brasileiras. v. 1:1901-1957. São Paulo: Editora 34, 1997. (Ouvido Musical).
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SOUZA, Tárik de. Luiz Gonzaga. Rio de Janeiro: MEDIAfashion, 2010. Coleção Folha Raízes da Música Popular Brasileira, v. 10.
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TATIT, Luiz, O cancionista. Composição de canções no Brasil.SP, Edusp, 1996.
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Fonte: LUIZ Gonzaga. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa359569/luiz-gonzaga