Quem lê uma estrofe de um poema quer sentir o ritmo e a sonoridade do texto, pois sem essas duas ferramentas a mensagem fica apagada e perde o sentido. Há quem diga que existem pessoas que não sabem ler um trabalho poético. Pode ser verdadeira esta afirmativa, mas acreditamos que a perfeição apurada em um poema, no tocante à métrica e à rima, minimiza consideravelmente essa situação e valoriza o leitor. Utilizar a técnica da metrificação, escrevendo ou declamando, não significa ampliar nem reduzir um verso, mas é lhe dar o tamanho certo e adequado, no estilo que por ele é exigido. Não pretendemos aqui fazer nenhum tratado sobre a metrificação, até porque não nos sentimos aptos para fazê-lo, mas apenas revelar nossa preocupação com esse fantasma que atormenta os poetas caprichosos. Muitos são os estudiosos do assunto que revelam seus pensamentos sobre a matéria, porém a maioria se prende aos ditames gramaticais, esquecendo, de certo modo, o avanço do povo e os costumes de cada região.
A métrica e a rima são os dois elementos que dão sabor ao verso popular. O verso, em regra geral, pode ser feito com qualquer número de sílabas, mas deve obedecer, em seu conjunto, às regras da estrofe, isto é, se uma estrofe contém o primeiro verso com sete sílabas, os demais obrigatoriamente terão este mesmo número silábico, e assim serão as outras estrofes que compuserem o mesmo poema. Neste breve comentário, exemplificaremos adiante apenas verso com sete e com dez sílabas porque são estes os mais usados na poesia popular e por sua vez os mais abordados no bojo desta obra.
Para melhor compreensão, deve-se aqui conceituar verso como sendo o ajuntamento de palavras, ou, ainda, uma só palavra com determinado número de sílabas e pausas obrigatórias. Por oportuno, cumpre esclarecer que para o gramático, sílabas são todos os sons distintos em que se divide uma palavra. O versejador ou metrificador, diferentemente, apenas conta por sílabas aqueles sons que lhe tocam o ouvido, assinalando a sua existência indispensável. Quanto aos sons vulgares, da linguagem e audição comum, estes lhe passam completamente despercebidos porque não formam sílabas e são como se não existissem.
Para o gramático, a palavra representa sempre o que é precisamente e nada lhe importa o ouvido. O versejador se preocupa com o ouvido e com o modo como a palavra lhe soa.
Para conhecer como gramático e versejador diferem, é bastante o pequeno exemplo que segue. O primeiro nada omite na palavra; o outro elide a pronúncia, até na recitação, de tal modo que os diversos tons são absorvidos uns nos outros, de sorte que, só depois de escrito o vocábulo, se pode perceber qual a sua constituição silábica.
Aqui vão as sílabas gramaticais (G) e em seguida as sílabas poéticas (P) nesta estrofe decassílaba, lembrando que no caso da poética se conta até a última sílaba tônica do verso. Por isto e pelas as elisões permitidas é que todas as linhas contêm dez sílabas, enquanto na contagem gramatical há delas com até 13 sílabas. Confira:
Quer na vida ofertar um bom presente:
ao adulto dedique um bom conselho;
à criança, um exemplo como espelho;
ao mais rude, o poder de sua mente;
com os humildes semeie uma semente
de carinho, de paz e gratidão,
ao enfermo ofereça uma oração;
um abraço fraterno a seu amigo
e na hipótese de ter um inimigo
dê ao mesmo o carisma do perdão.
Quer – na – vi – da – o – fer – tar – um – bom – pre – sen – te (G-12)
Quer – na – vi – da o – fer – tar – um – bom – pre – sen – te (P-10)
ao – a – dul – to – de – di – que – um – bom – con – se – lho (G-12)
ao – a – dul – to – de – di – que um – bom – con – se – lho (P-10)
à – cri – an – ça – um – e – xem – plo – co – mo – es – pe – lho (G-13)
à – cri – an – ça um – e – xem – plo – co – mo es – pe – lho (P-10)
ao – ma – is – ru – de – o – po – der – de – su – a – men – te (G-13)
ao – mais – ru – de o – po – der – de – su – a – men – te (P-10)
com -os – hu – mil – des – se – mei – e – u – ma – se – men – te (G-13)
com os – hu – mil – des – se – mei – e u – ma – se – men – te (P-10)
de – ca – ri – nho – de – paz – e – gra – ti – dão (G-10)
de – ca – ri – nho – de – paz – e – gra – ti – dão (P-10)
ao – en – fer – mo – o – fe – re – ça – u – ma – o – ra – cão (G-13)
ao – en – fer – mo o – fe – re – ça u – ma o – ra – ção (P-10)
um – a – bra – ço – fra – ter – no – a – seu – a – mi – go (G-12)
um – a – bra – ço – fra – ter – no a – seu – a – mi – go (P-10)
e – na – hi – pó – te – se – de – ter – um – i – ni – mi – go (G-13)
e – na hi – pó – te – se – de – ter – um i – ni – mi – go (P-10)
dê – ao – mes – mo – o – ca – ris – ma – do – per – dão (G-11).
dê – ao – mes – mo o – ca – ris – ma – do – per – dão (P-10).
Observe no exemplo dado que às vezes a quantidade de sílabas gramaticais e poéticas em um verso pode ser a mesma, mas quando isto acontece é uma eventualidade, pois em regra geral o comum é ser sempre diferente. É o que ocorre com a sexta linha da estrofe estudada.
Para o principiante é conveniente praticar o máximo em livros de prosa e verso, para conseguir com facilidade distinguir as sílabas gramaticais das poéticas e, assim, conseguir a metrificação justa e sonora. É lógico que o bom versejador deve ter também um bom conhecimento gramatical. Para melhor compreensão do exposto, apresentaremos regras gerais, princípios indispensáveis que não se devem absolutamente desprezar nem deixar de tê-las presentes.
Matéria nesta linha pode ser encontrada nos livros Cidadania do Repente e Por Dentro da Cantoria, ou ainda no site:www.perfilho.prosaeverso.net
Sobre o autor
Marcos Lima
Produz e divulga a sabedoria popular do povo alagoano e nordestino.