A separação de Pernambuco e a construção da identidade alagoana

Entre controvérsias e polêmicas, a emancipação política de Alagoas completa 204 anos

Bandeira de Alagoas

Nesta quinta-feira, 16, a emancipação de Alagoas completa 204 anos. O desmembramento do território alagoano da capitânia de Pernambuco aconteceu num período em que o movimento contra a coroa Portuguesa se fortalecia em algumas regiões do país. Apesar de encontrar adeptos em Alagoas, a insurreição contra a monarquia foi “abafada” na Comarca, o que levou historiadores, a exemplo de Francisco Augusto Pereira da Costa, a defenderem a tese de que a emancipação foi concedida em recompensa por Alagoas não ter aderido ao movimento republicano, mantendo-se fiel à Portugal.

Seis décadas depois, Alagoas acabou tendo uma participação destacada na construção da República Brasileira. O proclamador do novo regime, Foi justamente o alagoano, Marechal Deodoro da Fonseca, e o primeiro presidente do Brasil, outro alagoano, Floriano Peixoto. Desta forma, é preciso refletir qual o lugar de Alagoas na história do Brasil? Por que, com uma cultura tão rica, ainda estamos construindo uma identidade alagoana? E por que esse Estado tão promissor, declamado no hino como a “estrela radiosa”, ainda hoje concentra índices tão negativos em termos de desenvolvimento social?

Para nos ajudar a pensar sobre os questionamentos que cercam essa importante data histórica, buscamos a ajuda do historiador Antonio Filipe Pereira Caetano, professor do curso de História da Ufal e coordenador do Grupo de Estudos América Colonial. Confira a seguir as reflexões do historiador sobre a Emancipação Política de Alagoas.

Ascom – Em que contexto se deu a emancipação política de Alagoas? Essa “liberdade” foi mesmo um prêmio da coroa porque Alagoas resistiu aos levantes contra a dominação portuguesa?

Antônio Filipe – A emancipação política de Alagoas insere-se nos episódios conectados à Insurreição Pernambucana, em 1817. Movimento este que “conspirava” contra o governo português e chegou a instaurar um governo provisório na sede da Capitania (Recife). Influenciada pelos ideais resgatados da Conjuração Baiana e Inconfidência Mineira, os “pernambucanos” sentiam-se preteridos pelas mudanças impostas pela família real portuguesa que muito mais beneficiava o Rio de Janeiro (sede da corte) do que as outras capitanias. Visto por alguns historiadores com cunho liberal, o movimento tentou se espalhar pelas demais localidades da Capitania, inclusive a Comarca das Alagoas. Com adesão em parte do território Alagoano, o movimento pernambucano foi sufocado com a intervenção do Ouvidor Batalha, que criava um governo provisório desmembrando o território de Alagoas de Pernambuco. A medida de Batalha foi contemplada com a chancela de D. João VI, em 16 de setembro de 1817, emancipando de vez o território alagoano de Pernambuco .

Em meu entendimento, a liberdade como “prêmio” desmerece o lugar estratégico que o território alagoano ocupava no imaginário político e de poder da administração portuguesa. Isso porque, acredito no profundo conhecimento da coroa portuguesa do território alagoano e de suas diferenças (políticas, econômicas e sociais) em relação à sede da Capitania. Principalmente, se levarmos em consideração que o pedido de desmembrando não era uma novidade nos bastidores portugueses, já citado e incentivado, inclusive, por membros do Conselho Ultramarino.

Ascom – Quais as consequências desta emancipação para o nosso desenvolvimento social e político?

Filipe – A Emancipação inaugura um novo território administrativo no cenário colonial. Enquanto ligado à Portugal (até 1822), a emancipação trazia uma aliado político nas lutas complicadas de manutenção do governo português na América, situação que estava cada vez mais complicada de se manter. Após a independência brasileira, em 1822, a Província das Alagoas é uma das poucas localidades que reconhece a soberania de D. Pedro I de maneira rápida e imediata. Todavia, acredito que 1817 representa a consolidação de uma “identidade” alagoana, construída ao longo de quase um século a partir da criação da Comarca (1712), possibilitando a demarcação das diferenças culturais e sociais entre Alagoas e Pernambuco.

Ascom – O que é importante hoje refletir quando pensamos na História de Alagoas?

Filipe – Acredito que a principal reflexão que deve ser feita é: o que é o território alagoano no cenário nacional e de que forma o processo histórico de sua formação contribuiu ou contribui para a manutenção ou alteração dessa imagem?

Sem dúvida, historicamente, o passado alagoano é marcado pelos engenhos de açúcar, pelas lutas dos quilombos, pelos massacres dos caetés e pelos comportamentos “traíras” de Calabar e da “elite alagoana” em 1817. Imagens e histórias contadas e (re)contadas por curiosos, historiadores e livros didáticos. Mas, por outro lado, a questão mais interessante é: até que ponto o passado alagoano se ressume a isso? Ou seja, de que forma Alagoas contribui para a formação cultural nacional? Como o território alicerçou forças políticas brasílicas? Qual o lugar da produção econômica alagoana na tessitura nacional?

Ascom – E falando de hoje, que herança é essa que nos leva a concentrar os piores indicadores sociais e de violência do país?

Filipe – Acho cruel pensar no passado escravista, monocultor e latifundiário como o único responsável pelas mazelas sociais e índices de violência no país e no território alagoano. Sem dúvida alguma, esses são elementos que criaram uma base, um sistema e um mecanismo de controle difícil de se romper. Mas, ao mesmo tempo, o presente com suas contingências e vicissitudes e modelos preestabelecidos demonstram claramente a quem interessa a manutenção da pobreza, do aceleramento das desigualdades sociais e da incidência de atos de violências em áreas específicas do território nacional e local. Só assim para explicar como países que tiveram “heranças” tão similares a nossa possuem, na atualidade, índices baixos de violência e um grande desenvolvimento social. Logo, a raiz de muitas mazelas sociais alagoanas remetem a 1817 não pelo passado colonial mas sim pelos agentes políticos que direcionaram a economia, fundaram ideologias, moldaram comportamentos sociais e restringiram o acesso a “emancipação” de camadas “menores” da população.

Ascom – Professor, pode ficar à vontade para refletir sobre outras questões que os alagoanos precisam conhecer sobre a história e refletir nos dias atuais…

O mais importante ao se refletir sobre a história de Alagoas, em meu entendimento, é privilegiar o que há de particular, específico e peculiar no território alagoano e sua interface com o regional (Pernambuco/Nordeste), nacional e, até mesmo, internacional. Pensar a história de Alagoas aprisionada a Pernambuco não ajuda a compreender a formação de um povo, de uma Comarca, de uma Província ou de um Estado da Federação. Questões como a história das irmandades religiosas, da própria escravidão em Alagoas (estudo deveras atrasado em comparação com outros estados), de suas atividades econômicas e sua inserção no cenário nacional, dos conflitos sociais para além dos quilombos, da constituição dos grupos populares, da formação da cultura local e, o mais importante, da identidade alagoana ainda estão esperando curiosos, pesquisadores e historiadores para serem feitos.

Por Lenilda Luna – jornalista

Bibliografia Recomendada:

CAETANO, Antonio Filipe Pereira (Org.). Alagoas e o Império Colonial Português: Ensaios sobre Poder e Administração. Maceió: Cepal, 2010.

LINDOSO, Dirceu. Interpretação da Província. Maceió: Maceió/São Paulo: Catavento, 2000.

SANT’ANA, Moacir Medeiros de (org.) Documentos para a história da independência. Recife: Comissão executiva dos festejos do sesquicentenário da Independência do Brasil/IHGAL, 1972.

Fonte de pesquisa: https://ufal.br/ufal/noticias/2012/09/a-separacao-de-pernambuco-e-a-construcao-da-identidade-alagoana

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