Chamavam os trovadores CANTIGAS ou CANTARES DE AMOR às poesias [poemas] que se aproximavam, no fundo e na forma, da cansó occitânica e nas quais o poeta exprimia os sentimentos amorosos pela dama cortejada falando em seu próprio nome, em contraposição às CANTIGAS ou CANTARES DE AMIGO, em que era ela quem falava, ou melhor, quem o trovador fazia falar.
Embora a euforia lírica, a intensidade de sentimentos que despertam esses poemas provenha essencialmente, como na canção provençal, da análise minuciosa e reiterativa dos tormentos do amor insatisfeito, uma vez por outra o trovador galego-português neles fugia aos rigorosos preceitos do amor cortês, ao ideal da MESURA, e deixava vazar o seu amor sincero, descomedido. A referência explícita, que se encontra em trovadores como D. Denis e D. Afonso o Sábio, a um cantar de amor “em maneira proençal”, cujas regras nem sempre eram obedecidas, mostra bem que havia, ao tempo, outra forma de compor essas cantigas, uma maneira — digamos — “galego-portuguesa”, mais simples, possivelmente considerada até canhestra, porém mais sincera.
Fazendo nossas as palavras de Rodrigues Lapa, julgamos que a forma primitiva, genuinamente galego-portuguesa da cantiga de amor deveria ser um “lamento em forma paralelística, grito de amor infeliz, que ecoasse de estrofe em estrofe” (LAPA, 1989, p. 135), à semelhança de alguns cantares de Pedr’Anes Solaz.
Cantigas de amigo
Eram, como vimos, aquelas em que o trovador dizia por boca da amada os sentimentos que supunha ela lhe dedicar. Melhor dizendo, nelas o amador, “por virtude do muito imaginar”, transforma-se, platonicamente, na coisa amada; despega-se de si e, como um dramaturgo, procura recriar no personagem feminino todos os estados emocionais que presumivelmente padeceria no seu pequeno mundo imaginativo, cuja idéia-motriz exclusiva era a paixão amorosa pelo amigo. Paralelística na sua forma mais autêntica, recebe a CANTIGA DE AMIGO nome especial segundo o modo por que se apresenta o tema.
Suas variedades principais são a ALVA, ALBA OU ALVORADA, a BARCAROLA OU MARINHA, a BAILIA OU BAILADA e a CANTIGA DE ROMARIA.
A ALVA OU ALBA, terminologia tirada à lírica provençal, é a designação que os estudiosos, à falta de outra melhor, dão às cantigas de amigo em que aparece o tema da alvorada. Devemos salientar, no entanto, que há apreciável diferença entre a ALBA galego-portuguesa e a occitânica, o que tem levado alguns a negar a existência do gênero no Ocidente peninsular. Parece-nos apressado esse modo de ver radical, pois, no caso, poderia ter havido a confluência de um motivo autóctone relacionado com a alvorada com o da alba provençal. Se esta, durante certo tempo, se restringiu ao motivo da separação, ao romper do dia, de dois enamorados, surpreendidos pelo grito do vigia dos castelos, não faltam exemplos posteriores em que a intervenção do gaita é substituída pelo canto dos pássaros, tal como na admirável cantiga Levad’, amigo, que dormides as manhanas frias, de Nuno Fernández Torneol.
BARCAROLAS OU MARINHAS são chamadas as cantigas de amigo que versam sobre assuntos referentes ao mar ou ao rio. Os temas são geralmente de grande singeleza. Afora um certo número em que a moça vai apenas banhar-se ao rio, ou da margem vê o barco deslizar pelas águas, nas barcarolas ela geralmente se lamenta do embarque do amado, ou, durante a sua ausência, pede às ondas notícias dele, ou ainda, ansiosa, vai esperar os navios que chegam para tornar a vê-lo.
A peregrinação a igrejas e capelas é assunto de cinqüenta e três cantigas de amigo que chegaram até nós. Dá-se-lhes o nome de CANTIGAS DE ROMARIA e tudo faz crer que o gênero seja de origem galego-portuguesa. Não se pense, porém, que tais cantigas reflitam apenas piedade religiosa. Se em algumas esse sentimento parece real — como naquelas em que a donzela vai ao santuário cumprir uma promessa ou pedir ao padroeiro que faça o amado voltar da guerra vivo e são —, em outras a peregrinação é mero pretexto para namorar ou para divertir-se.
Fonte: www.aedmoodle.ufpa.br
Sobre o autor
Marcos Lima
Produz e divulga a sabedoria popular do povo alagoano e nordestino.