Jornalista, Comunicador, Visionário, Dinâmico, Empreendedor, Advogado, Destemido, Político, Chantagista, Oportunista, Cético, Corrosivo, Irônico. Implacável.
Parece improvável que todas essas características tenham coexistido em uma mesma pessoa, mas foi a soma desses predicados que fez de Assis Chateaubriand o homem mais influente do Brasil durante décadas. Ele começou a carreira como redator em um jornal, se formou em Direito e construiu um verdadeiro império: os Diários Associados – dezenas de jornais (no auge chegou ao número de cem), emissoras de rádio e TV, revistas e agência telegráfica. Foi eleito Senador e membro da Academia Brasileira de Letras.
Nascido em 1892 no interior da Paraíba, Chatô, como era chamado, passou parte da infância tentando vencer uma limitação: era completamente gago. Seu pais, Francisco José Chateaubriand e Maria Carmem, faziam de tudo para curar o menino. O caso parecia mesmo sem solução, até que resolveram matricular o filho em uma escola, na esperança dele se desenvolver interagindo com outras crianças. Vítima de deboche entre os colegas, de gago passou a ficar mudo. “Os pais se renderam. Muito mais grave que ter um filho analfabeto era ter um filho infeliz”, como conta Fernando Morais no livro Chatô, o rei do Brasil (1994).
Ninguém sabia, mas a gagueira de Chateaubriand estava com os dias contados. Tudo aconteceu quando ele foi morar um tempo na fazenda, com o avô paterno. Diante do problema do neto, o avô propôs o desafio: “Gagueira é vergonha. O único jeito de curar isso é falar sozinho. Falar até cansar, até secar a saliva. De hoje em diante você vai passar algumas horas do dia sentado na pedra Preta, na beira do rio, falando consigo mesmo. Se isso não o curar, pode desistir que é porque Deus quis que você ficasse desse jeito para o resto da vida”. E assim o menino se desenvolveu e começou a se interessar pelas letras.
Aos 17 anos, precisou vencer outras limitações que, na opinião dele, atrapalhavam sua vida social: era extremamente tímido e não tinha nenhum desempenho físico. Acreditava que podia consertar os próprios defeitos se alistando no serviço militar. Desta vez, ele mesmo se desafiou, mas um obstáculo estava bem adiante: foi desaprovado por ‘saúde insuficiente e estatura física inferior’. Muitos garotos teriam comemorado o acontecido, mas não Chateaubriand. Indignado, falou com um amigo influente e conseguiu a anulação do resultado. Em poucos dias, estava no recrutamento e, na primeira maratona de exercícios achou que ia morrer, mas não desistiu.
Nesse mesmo período, começou a trabalhar como redator no Diário de Pernambuco – recebia um salário de cem mil réis. O periódico era editado por Veríssimo e tinha como colaboradores nomes como Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Graça Aranha e Sílvio Romero. Através de empréstimos, com o tempo fundou seus próprios jornais e comprou outros. Não escondeu de ninguém a época da fartura: “O dinheiro nos chega por três únicas vias: a publicidade, as assinaturas e a venda avulsa”, relatou, afirmando que 12 mil contos de réis era a sua renda anual, o que equivale hoje a mais de oito milhões de reais.
Na década de 30, os escritórios dos Diários Associados foram modernizados com novos equipamentos: máquinas de impressão e serviços fotográficos. Chateaubriand festejava: “Três dias após um acontecimento em qualquer continente, seja um crime, um desastre, a posse de um ministro, uma festa, uma greve, dados os recursos de aparelhagem e a rapidez das comunicações, inclusive a telefoto, estamparemos o flagrante”. Daí, não demorou para que investisse também em emissoras de rádio e televisão, mesmo quando as pessoas ainda não tinham TV (para isso ele deu um jeitinho brasileiro e trouxe centenas de aparelhos de forma ilícita para o país).
Tamanho sucesso não se deveu apenas ao fator empreendedorismo. Chatô abusava de sua influência para chantagear clientes que se negavam em anunciar. Quem, por algum motivo, o desagradasse, sofria retaliações com uma notícia falsa estampada na capa de um jornal. Seu temperamento era implacável. Na vida pessoal não foi diferente. Separado da segunda mulher, sequestrou a própria filha – não por querer bem à menina, mas por capricho. Chegou a exigir do Presidente Getúlio Vargas que mudasse a lei, pois a justiça devolveu a guarda da criança para a mãe.
Chateaubriand se transformava em um monstro colérico sempre que era contrariado. Sua trajetória de vida e seu comportamento contrastam com a contribuição cultural que promoveu para o país, o que faz dele nosso herói politicamente incorreto. Chateaubriand é nosso Deadpool.
O filme Chatô, o Rei do Brasil, disponível para assinantes Netflix, tem a direção de Guilherme Fontes – a polêmica dessa obra é que ela durou mais de 20 anos para ficar pronta, devido a complicações legais envolvendo as finanças da produção. A história é contada numa narrativa circular – começa pelo fim: Chateaubriand sofre uma trombose e fica totalmente paralisado em uma cadeira de rodas. O homem que dedicou a vida para a comunicação ficou incomunicável.
O Bispo Dom Helder Câmara, ao visitá-lo no hospital, falou aos jornalistas: “De Chateaubriand se pode dizer o melhor e o pior. Haverá quem diga horrores pensando nele, mas como não recordar as campanhas memoráveis que ele empreendeu? Dentro do maquiavélico, do chantagista, do cínico, o Pai saberá encontrar a criança, o poeta. Deus saberá julgá-lo”.
Monique Gomes é blogueira, jornalista freelancer certificada em Marketing de Conteúdo e Co-fundadora do Projeto TM Fácil.
Fonte: www.blogdamonique.com.br