A reedição destas tão longamente esquecidas Trovas Populares de Alagoas, de Théo Brandão, representa no que concerne ao universo das culturas populares tradicionais, um marco editorial. Publicada em 1951, em Maceió, esta obra traz uma dimensão do trabalho do pesquisador ainda não merecedora de atenção tributada aos seus importantíssimos estudos dos folguedos: a literatura oral anônima – muito embora, reconheçamos, ela acompanhasse o mesmo segmento social e estivesse nos versos cantados em antigos Caboclinhos, Guerreiros e Reisados.
O livro consiste em uma coletânea oriunda da pesquisa bibliográfica e de campo do autor sobre esse manancial literário mais remoto do povo alagoano, que representa tanto uma amostra de versos localmente criados quanto o feito transcultural da adaptação de narrativas europeias, em particular portuguesas e ibéricas, através do tempo. Por isso, trata-se de obra de referência para o estudioso contemporâneo e que eterniza em livro o que a modernidade ofuscou e remeteu ao esquecimento ou à perda definitiva: o verso em quadras simples, já em declínio à época em que o autor organizou a publicação.
Sobre a raridade e anterioridade desse acervo em quadras, e amparado em Leonardo da Mota e Câmara Cascudo, escreveu Théo Brandão na introdução ao livro que ”nenhum cantador que se preze atualmente canta de quatro pés”. A cantoria de viola(…) não dá mais, como outrora, ousadia a quadra. E por influência, os Cocos, os Guerreiros, os Reisados, etc. abandonaram as redondilhas maiores e menores para somente empregar as emboladas, os pés quebrados, os sete e seis pés e, sobretudo, as décimas que fazem uma geral e vitoriosa carreira, invadindo todas danças, folguedos e cantorias, sob quaisquer das suas formas: o martelo agalopado, o martelo miudinho, o gabinete, etc.
Ao lado dos versos retirados da bibliografia consultada, a base da pesquisa empírica de Théo Brandão nesta matéria foi seu contexto familiar e a área de Viçosa, estando a coleta destes versos populares no inicio de sua atividade de pesquisador amador nos meados da década de 1920. Quando, mais tarde, sistematizou seu acervo, o autor deu uma contribuição metodológica ao levantamento da literatura oral e popular através do emprego dos métodos comparativo e tipológico de tratar o material recolhido.
Ressalte-se um papel destacado desse levantamento no reconhecimento de Théo Brandão com estudioso do folclore regional. No ano seguinte ao lançamento em livro, estas trovas foram motivo de uma mesa-redonda na IV Semana do Folclore Brasileiro, realizada em Maceió, quando grandes nomes nacionais da pesquisa folclórca puderam acompanhar o debate Aloísio Vilela e Théo Brandão sobre o tema. Théo se consagra, desde então, como um nome de ponta e esse interesse na literatura oral, a propósito ainda faz dele um precursor da folkcomunicação, na opinião qualificada do professor José Marques de Melo. Neste particular, segundo Marques de Melo, Théo Brandão contribuiu especial e pioneiramente no campo da folkcomunicação oral (contos, advinhas, trovas, música) e da folkcomunicação cinética (folguedos, Carnaval, Autos populares e rodas de São João).
Outras obras de importância poderiam ser elencadas para enaltecer este relançamento, como o seu interesse para os estudos de cultura popular em geral, do simbolismo, do imaginário e dos mitemas que abundam nestes versos já seculares que agora, graças à iniciativa da Edufal, temos novamente reunidos e dainte de nós nesta segunda e bela audição.
Bruno César Cavalcanti, professor de antropologia e coodenador do Mungunzá Cultural do Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore.
Extraido do livro “Trovas populares de Alagoas”, de Théo Brandão. Editora Edufal – 2ª Edição
Sobre o autor
Marcos Lima
Produz e divulga a sabedoria popular do povo alagoano e nordestino.