Aderaldo Ferreira de Araújo (Crato, CE, 1878 – Fortaleza, CE, 1967). Poeta, músico e cantador. Filho de um alfaiate e de uma dona de casa. O pai adoece gravemente quando Aderaldo tem ainda dois anos. Por causa disso, vê-se obrigado a trabalhar logo cedo, experimentando ofícios que vão da carpintaria à mecânica. Ao completar 18 anos, é vítima de duas fatalidades: perde o pai e, quinze dias depois, a visão. Por conta de seu talento em cantar é incentivado pela mãe a tentar ganhar algum sustento como cantador e improvisador. Ganha um cavaquinho e passa a aventurar-se pela cidade, angariando trocados com os versos que entoa. Tempos depois sua mãe morre e Aderaldo começa as suas andanças pelas cidades sertanejas, percorrendo praticamente todo o Ceará, além de localidades em Piauí e Pernambuco. Em 1914, trava-se a peleja com o cantador Zé Pretinho, em Quixadá, o que lhe torna bastante famoso na região. Continua suas viagens e, fugindo da seca que assola o Nordeste, desloca-se para o Belém do Pará, ampliando ainda mais a sua fama. Retorna ao Nordeste e, em 1923, na cidade de Juazeiro, toma contato com o Padre Cícero. Anos depois conhece Lampião, para quem improvisa um repente após ganhar uma garrucha. Em 1932 procura outros modos de ganhar a vida. Ganha um gramofone e um projetor de filmes, equipamentos que carrega consigo em suas viagens para fazer exibições. Percebe, no entanto, que seu maior talento está no canto e nas improvisões, e desiste da empreitada. Em 1942, buscar estabeler-se como comerciante em Fortaleza, mas novamente não obtém sucesso. A partir de 1945, deixa de aceitar desafios, por se considerar muito velho. Mesmo assim sua fama corre o Brasil e Aderaldo participa de uma festa na prefeitura de Fortaleza, em 1946, e ainda viaja, pela primeira vez, ao Rio de Janeiro, no ano de 1949. A pedido de uma rádio paulista, segue para São Paulo, onde chega a ser convidado a tocar no palácio do governo, diantes de políticos e personalidades. Deixando 24 filhos de criação, o cantador morre em 1967, em Fortaleza.
Análise
Cantador desde muito jovem, o Cego Aderaldo, nome com que ficou conhecido, integra uma tradição da poesia popular calcada, principalmente, na questão da oralidade. As raízes desse modo poético encontram-se, sobretudo, na cultura ibérica, em particular nas trovas medievais. Daí a preferência pelo verso popular, principalmente com redondilhas, e com o uso de esquemas fixos de rima, que funcionam como recursos mnemônicos, uma vez que grande parte dessa poesia não é escrita. Também são comuns outras formas populares, como o martelo agalopado – com estrofes de dez versos decassílabos e esquema fixo de rima – e as sextilhas.
No caso do repente, como observa Aline C. R. Alves, além da ausência de um suporte escrito, não há a reivindicação, por parte do poeta, da autoria de suas cantigas, uma vez que ele “poetiza para o seu próprio deleite” e tem gosto em transmitir sua obra aos demais. O repentista é desafiado em festas ou encontros marcados e é obrigado a responder com improvisos os versos desfiados pelo concorrente, numa espécie de disputa. É o que aconteceu, por exemplo, na contenda entre Cego Aderaldo e Zé Pretinho, na qual o primeiro, mediante variações sobre um tema proposto pelo adversário: “É um dedo, é um dado, é um dia / É um dia, é um dado, é um dedo”. Aderaldo consegue vencer a batalha poética lançando outros versos cuja origem se assenta na brincadeira popular do trava-línguas: “Quem a paca cara compra / Paca cara pagará”. Zé Pretinho não consegue, no jogo, fazer variações sobre o trava-línguas proposto por Aderaldo e termina perdedor. Esse fato faz com que Aderaldo se popularize como cantador e seja citado por Câmara Cascudo em um estudo sobre vaqueiros e cantadores.
Outra brincadeira popular que Aderaldo incorpora em seus repentes é a adivinhação, que consiste em lançar uma pergunta em versos para que o adversário dê a resposta correta, também por meio do canto. É desse modo que Aderaldo derrota um garoto de oito anos que o desafia, em acontecimento relatado na “Peleja com um menino de oito anos de idade”.
Além das pelejas, encontram-se, nos cantos de Cego Aderaldo, versos de circunstâncias que vão desde homenagens, como as destinadas à mãe morta, ao Padre Cícero (1844-1934) e a Lampião (1898-1938), até mesmo comentários sobre fatos presenciados. Há também quadras, além de motes e glosas, assim como os que eram desenvolvidas por poetas, como Camões (1524-1580) e Sá de Miranda (1481-1558), o que atesta a influência da cultura portuguesa.
Outros desafios travados pelo autor em suas andanças também ficaram famosos, como a disputa com uma alagoana, a “Peleja com Felícia Cobra” e com José Francalino, enviado para vingar a derrota de Zé Pretinho. Essas pelejas foram mais tarde transcritas e publicadas no volume Eu sou o cego Aderaldo, organizado pelo escritor e jornalista Eduardo Campos, com apresentação de Rachel de Queiroz (1910-2003).
Fonte de pesquisa: www.enciclopedia.itaucultural.org.br
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