Diferenças separam emboladas e repentes

Os cantadores de coco estão cada vez mais escassos, enquanto os repentistas seguem se destacando no País

Jotinha e Jotão, mestres na embolada

 A arte genuinamente nordestina dos emboladores de coco e violeiros repentistas apresenta traços comuns de improvisação e criação de versos nas mesmas modalidades, mas há diferenças básicas de instrumento, técnica e estilo. Além disso, a cantoria de viola está mais profissionalizada para enfrentar o mercado cultural contemporâneo, enquanto que os emboladores têm dificuldades e estão cada vez mais escassos, e com reduzida renovação.

As duas manifestações artísticas populares caminham em sentido opostos. Os violeiros estão em expansão com uma geração nova presente nas cantorias. Os emboladores praticamente estão desaparecendo do cenário cultural no Ceará e em outros Estados nordestinos, como Paraíba e Pernambuco, tradicionais centros de cantadores de coco. “A embolada não vai se acabar, mas está perdendo o vigor”, analisa o professor e pesquisador cultural, Gilmar de Carvalho. “Os violeiros estão organizados, com melhor estrutura de som e de apresentação, promovem festivais e se deram bem no show biz”.

Os violeiros se apresentam com parceiros variados, enquanto que os emboladores costumam formar dupla fixa. Essa outra característica dificulta a renovação. Enquanto um dos parceiros desiste da profissão, o outro praticamente fica sem espaço. Até o início da década de 1990, em Fortaleza, havia alguns emboladores que se apresentavam diariamente na Praça José de Alencar, dentre eles: Passarinho, Zé Calixto, Lavandeira, Antonio de Oliveira, Marreco e Zizi Gavião (falecido). Desse grupo, só Marreco praticamente está em atividade e costuma se apresentar com um filho. O repentista e apresentador de programa de viola na TV Diário, Geraldo Amâncio, disse que é uma raridade a localização de emboladores. “Sempre abri espaço, mas os cantadores de coco estão cada vez mais escassos”, frisou. “No meu modo de ver é uma atividade que está caminhando para o fim”.

Geraldo Amâncio observa que os jovens não se mostram interessados porque é uma atividade artística árdua e a rentabilidade é baixa. “Os emboladores sempre enfrentaram muitas dificuldades, fazem apresentação expostas em praça, na feira e ganham menos do que os violeiros”, frisou. “Falta incentivo e políticas públicas de apoio à atividade”, disse.

Em Russas, Beija Flor e Vem Vem resistem na arte da cantoria de coco há quase 50 anos. Hoje são evangélicos e se dedicam às apresentações em concentrações e encontros religiosos, embora ainda participem de promoções culturais. A dupla tem uma história de sucesso, com participação em mais de 100 festivais e eventos diversos pelo Brasil. José Arimateia de Araújo (Beija Flor) acredita na continuação da cantoria do coco. “Aparecem os substitutos dos velhos emboladores e alguns estão surgindo pelo Interior. Ser embolador não se faz, é um dom que vem de Deus”.

Os irmãos Josivan, Joseirton e Jarismar de Freitas Araújo, conhecidos artisticamente por Jota, Jotinha e Jotão, que fazem sucesso atualmente, tiveram que sair do Ceará e conquistar mercado em outros Estados. “Estamos preocupados porque não há renovação”, disse Jotinha. “Até mesmo em Pernambuco só há duas duplas em atividade e os emboladores também abandonaram a praça, um espaço tradicional de apresentação”.

Instrumento

A diferença instrumental entre as duas artes populares é evidente. Os emboladores de coco usam o pandeiro, enquanto que os repentistas tocam a viola de sete cordas. Outro traço marcante que difere o embolador do violeiro são as rimas. Na embolada são livres e sonoras, mas na cantoria exige-se construção métrica rigorosa e igualdade nas sílabas.

Os emboladores têm mais liberdade e rimam palavras de sons semelhantes como “ceará e cantar”, “aparecer e você” ou até mesmo “mãe com banho”. “Não há critério de julgamento de métrica, rima e assunto para os emboladores”, ensina o violeiro e repentista, Jonas Bezerra. Outra diferença básica refere-se ao ritmo do cantar que é muito acelerado na embolada. “Isso exige uma técnica específica, embora os emboladores tenham assuntos pré-determinados”, explica. “A maioria das apresentações é de trabalho, composições antecipadas”.

Geralmente, os emboladores se apresentam em dupla fixa e as músicas ou temas são decorados e apresentados nos shows. Há um repertório que é mantido. Já os repentistas abordam temas diferenciados e se apresentam com parceiros alternados. “Hoje eu canto com um violeiro, amanhã com outro, temáticas variadas e improvisadas”, diz o violeiro Chico Alves.

Outra característica que difere a embolada do repente é o uso de temáticas contrárias, antíteses. Por exemplo: o rico e o pobre, a mulher feia e a bonita, o inferno e o paraíso, o solteiro e o casado, em que cada embolador defende um personagem. Há também uma diferença peculiar. Os emboladores usam sátiras, humor na elaboração das composições como artifício de atração e conquista do público, com uso de palavras de duplo sentido ou mesmo de baixo calão. “Há um juízo moral que avalia os cantadores como se fosse uma manifestação desvalorizada”, observa Gilmar de Carvalho. “Eles têm um desempenho muito ágil, cantam em velocidade que a gente acha que vão perder o fôlego”.

O fato dos emboladores terem liberdade na construção das rimas e de comumente se apresentarem em locais abertos, praças, por exemplo, contribuiu ao longo da história para que não fossem valorizados entre os cantadores de viola. “No passado, a discriminação era mais forte”, admite o embolador Jotão. “Hoje já mudou bastante e somos convidados a participar como atração especial em festivais de violeiros”.

O embolador Jotinha atribui certa dose de inveja por parte dos repentistas. “Os emboladores sacodem e animam o público e o nosso objetivo é levar alegria e humor para divertir as pessoas”, afirma. “Tanto a cantoria, quanto a embolada hoje tem mais informação e estão em um nível mais elevado”, diz.

Honório Barbosa, Repórter

Fonte: www.diariodonordeste.verdesmares.com.br

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