O Guerreiro é irmão do Reisado, primo do Xangô, dos índios da montanha, das Baianas, da Taieira, do Toré de índio, do Cabocolinho, do Bumba-meu-boi e do Quilombo do Pastoril. (Mestre Benon, do Guerreiro Treme Terra de Alagoas).
Auto dos Guerreiros ou Guerreiro é um dos mais característicos e importantes folguedos populares do ciclo natalino alagoano.
Surgiu em Alagoas, no início do século XX (década de 1920). Canta, através do sincretismo religioso, a chegada do messias e a homenagem dos três Reis Magos. É apresentado entre os dias 24 de dezembro e 6 de janeiro, Dia de Reis.
Segundo Théo Brandão, foi descrito, pela primeira vez no Brasil, por Arthur Ramos, afirmando que os seus elementos formadores seriam os Congos e Caboclinhos, autos europeus peninsulares, totêmicas de origem africana e ameríndia, e, como elemento dominante, o Bumba-meu-Boi
São cantigas dançadas pelos vários personagens do auto: o Rei; a Rainha (às vezes em número de três: Rainha dos Guerreiros, dos Caboclos e de Nação); a Lira; o índio Peri e seus vassalos; o Mestre; o Contra-Mestre; dois Embaixadores; o General; dois Mateus; dois Palhaços; os Caboclinhos da Lira; a Estrela de Ouro; a Estrela Brilhante; a Banda da Lua; a Estrela Republicana; a Borboleta; a Sereia e as figuras, como nos reisados.
Com trajes multicoloridos, enfeitados com espelhos, miçangas, fitas, lantejoulas, areia brilhante, cetins, contas de aljôfar (tipo de pérola), os homens usam calções e meias longas brancas e as mulheres vestidos com acessórios, de acordo com seus personagens. Utilizam enfeites de árvore de Natal nos chapéus, diademas ou coroas, nos guarda-peitos, calções e mantos, numa imitação dos antigos trajes nobres do Brasil Colônia. Os chapéus ou diademas são verdadeiras obras-primas de arte popular.
Na frente, em dois cordões em fila, um ao lado do outro, ficam os Embaixadores, as Estrelas, a Borboleta, a Sereia e demais figuras. Entre os dois cordões vêm o Mestre, o Contra-Mestre, o Rei, as Rainhas, a Lira, o índio Peri e seus vassalos, o General, os Caboclinhos, e, ao fundo, os dois Mateus com os rostos encarvoados e os palhaços com as caras pintadas de branco e vermelho. O sanfoneiro e os tocadores de tambor e ganzá, vestidos à paisana, completam o cortejo, puxando os ranchos e marchas de rua características do folguedo, como os Pedidos de Abrição de Porta ou de Sede; as peças de Entrada de Sala ou de Sede; a Louvação ao Divino; peças sobre assuntos amorosos, elogios; entremeios como os do Sapo, do Doido, do Javali, do Messias, do Boi e do Mata-Mosquito.
Abris a porta, pastorinha.
É que eu venho com alegria,
Santos reis foi festejado,
Festejado neste dia
Te ajoelha Guerreiro,
Vai cumpri a tua sina,
Botem o joelho em terra
Vamo rezá o Divino.
Javali é feio
Venha arrepará
Meu povo vem vê
Javali dançá
Seu papa-mosquito, donde vem?
Tou matando mosquito pra seu bem.
Seu papa-mosquito pronde vai?
Tou pegando mosquito pra seu pai.
O que há de mais característico no auto do Guerreiro, no entanto, são as chamadas partes, episódios com origem no Caboclinho e no Pastoril, que não existem no reisado. Umas são mais curtas e simples, como as das Estrelas, da Borboleta, da Sereia, da Banda da Lua, cantadas e dançadas pelas respectivas personagens ou figuras, no centro ou entre os dois cordões:
Eu sou a Estrela de Ouro
Boa noite venho dá,
Quero sabê se aqui se festeja
Viva a noite de Natá…
Vinte e quatro de dezembro
Meu Guerrêro sai à rua,
Dou viva a todas estrela
E à nossa Banda da Lua
Eu sou uma Barbuleta
Que venho de Maceió
Dançando no mei’ da sala
Fazendo meus caracó
Boa noita a todos
Queira apreciá:
Eu sou a Sereia
Das “ondias” do má.
As partes do Índio Peri e da Lira, são maiores e mais complexas, com várias cantigas, danças e diálogos. A do índio Peri, se baseia na prisão de um guerreiro inimigo (o índio), que tenta entrar no arraial dos Guerreiros. Há diversas embaixadas entre os vassalos do índio e os dos Guerreiros. Após uma grande luta do índio, inclusive duelando com espada, ele é aprisionado sob as espadas dos Guerreiros. No final, o índio é solto e conclui sua apresentação ou parte dançando entre os seus antigos inimigos:
Viva a Lira, viva a Estrela de Ouro
Viva a nossa Barbuleta e a Rainha Imperiá.
Olê, olá viva nosso Índio Perí
Que é o dono deste arraiá
A parte da Lira – corruptela de Lília, uma famosa personagem de antiga canção portuguesa muito decantada pelos poetas brasileiros e portugueses no século 17 – é levada pelo Rei dos Guerreiros à aldeia e ameaçada de morte pelo Caboclinho, por ordem da Rainha, com ciúmes do Rei. Apesar da ameaça, o Caboclinho propõe à Lira livrá-la da morte, desde que ela o aceite como marido. Como a proposta é recusada, o Caboclinho a mata, mas como acontece em outros autos, a Lira é ressuscitada por Mateus, que agindo como feiticeiro lhe administra um remédio popular.
Após a apresentação da parte da Lira, termina o folguedo e o grupo se retira cantando suas despedidas:
Ô que saudade quando o Guerrêro partiu
Quando seguiu dessa zona ispiciá,
Eu vou deixá tanta morena bonita
Que meu coração parpita mas eu não posso levá.
O Guerreiro tem sofrido influências de danças e músicas como o folguedo das Baianas – uma modificação rural do Maracatu, originário do sul de Pernambuco – e dos terreiros de Xangô.
O folguedo é apresentado em diversos municípios alagoanos como Arapiraca (Craibas), Atalaia, Anadia, Boca da Mata, Branquinha, Cajueiro, Campo Alegre, Capela, Chã Preta, Delmiro Gouveia, Igreja Nova, Junqueiro, Maceió, Maribondo, Murici, Penedo, Piaçabuçu, Quebrangulo, Rio Largo, São José da Laje e São Luiz do Quitunde.
.FONTES CONSULTADAS:
BRANDÃO, Théo. Folguedos natalinos: Guerreiro. [Maceió]: Universidade Federal de Alagoas; Museu Théo Brandão, [1976?]. (Coleção folclórica da UFAL, 23).
BRANDÃO, Théo. O guerreiro de Alagoas. Cultura, Brasília, D.F., ano 3, n. 11, p. 51-58, out./dez. 1973.