
“Nos tempos de antigamente maracatu era brincadeira perigosa. Tinha briga e até morte. Hoje brinca mulher e criança e todo mundo vê aquela festa bonita na televisão”, diz Zé Pequeno que, com seus 77 anos de idade, contribui para manter viva a memória do folguedo. Em um século de história, o baque solto passou de brinquedo violento a um dos símbolos do Carnaval de Pernambuco, com imagem personificada na figura do caboclo de lança. Em 2014 recebeu do Iphan o título de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
Os tempos de antigamente que Seu Zé Pequeno comenta são dos anos de surgimento do maracatu rural até a década de 70, que ficou conhecida como a “época dos caceteiros”. Os conflitos eram tão frequentes que os grupos foram obrigados a pedir autorização nas delegacias de polícia para brincar. João Padre andava com o papel por dentro da arrumação de caboclo para mostrar aos guardas quando o brinquedo era abordado na rua.
Naquela época, o maracatu era formado por caboclos de lança, arreiamá, catita e baiana. Como as mulheres ainda não podiam brincar, as baianas eram homens vestidos de mulher. “Os caboclos iam buscar as baianas em casa, porque se elas andassem sozinhas outro maracatu pegava a força para fazer parte do grupo deles”, recorda Amaro da Silva, 82 anos, que brincou de baiana no Cambinda por dois anos e depois foi caboclo por 35 anos até ficar doente e não aguentar mais o peso do surrão sobre os ombros. Irmão de Dona Joaninha, Amaro explica que ter baiana na brincadeira era símbolo de luxo e beleza
As nações de maracatu se deslocavam a pé e se apresentavam nas casas dos engenhos. A catita ia na frente para pedir autorização aos donos da residências e depois, enquanto o folguedo se apresentava, ela entrava por trás das casas e roubava comida para alimentar os folgazões.
Nessa caminhada pelos engenhos os grupos se confrontavam. O sinal para saber se ia ter briga era a decisão de encruzar as bandeiras. “Se encruzasse ficava tudo bem, cada mestre cantava uma loa e o maracatu seguia. Caso contrário, ou alguém abria passagem ou o cacete comia. Meu pai falava em casos de morte e caboclos feridos por pontas de guiadas (lança)”, conta José Estevão da Silva (Zé Padre).
Com o fim da violência vieram os desfiles no Carnaval do Recife, a participação das mulheres e a visibilidade a partir dos anos 1990. Na explosão do movimento manguebeat, Chico Science e Nação Zumbi fizeram uma releitura da música Maracatu Atômico, composta por Nelson Jacobina e Jorge Mautner e lançada em 1974. Quando estava no Grupo Mestre Ambrósio e depois em carreira solo, Siba Veloso produziu discos inspirados no baque solto. O diálogo do universo pop com a cultura popular contribuiu para que o maracatu deixasse de ser invisível aos olhos do País.
Praticamente nessa mesma época, em 1989, foi criada a Associação de Maracatus de Baque Solto de Pernambuco (AMBS-PE), melhorando a articulação entre os grupos. “Cambinda Brasileira é o maracatu mais tradicional do Estado, mantendo seu lado particular voltado para o respeito aos mais velhos e à religião”, diz o presidente da Associação, Manoelzinho Salustiamo, adiantando que o 28º Encontro Estadual de Maracatus neste ano vai homenagear a Cambinda do Cumbe.
Fonte: www.especiais.jconline.ne10.uol.com.br