A história do Cambinda Brasileira começou no Engenho Cumbe. A dona da propriedade, conhecida como Dona Rosinha, permitia que os trabalhadores “brincassem maracatu” no domingo de folga. Gostava de ver e pedia que eles se apresentassem na Casa Grande. Em 1918, Nazaré passou por um ano de crise. Sem ter o que comer, a alternativa era pescar. As tarrafas vinham cheias de cambinda e o peixe acabou dando nome ao maracatu. Primeiro se chamou Cambinda Nova e depois Cambinda Amorosa até Dona Rosinha sugerir homenagear o País, mudando para Cambinda Brasileira.
“O primeiro dono do maracatu foi o trabalhador do engenho Severino Lotero. Depois ele não quis mais e passou para João Fulosino e em seguida para João Lauro até meu pai (João Padre) e minha mãe (Dona Joaninha) tomar conta (em 1945). Quando morreu, ele deixou o maracatu pra mim e meus irmãos João e Antônio e disse que Zé de Carro seria o presidente e mestre caboclo e Dona Biu a madrinha”, conta José Estevão da Silva (Zé Padre), lembrando do pedido do pai debaixo do pé de jaca.
“Falar da história de Cambinda é falar da história do baque solto. É um maracatu de tradição, de peso, respeitado. Depois que João Padre morreu, Zé de Carro continuou mantendo a espiritualidade forte dentro da nação. Tem brinquedo que só faz se embelezar, mas abre mão da tradição”, critica Mestre Barachinha, que passou pelo Cumbe de 1999 a 2002 e está no Estrela Dourada, de Buenos Aires.
Assim como formou gerações, a brincadeira do Cumbe também criou dissidência. A partir da segunda metade dos anos 1980, teve início um processo de interferência política no maracatu, com vereadores assumindo a presidência. João Padre continuou como dono, mas a administração era política.
Depois de passar três anos na presidência, o vereador Biu Hermenegildo quis transferir a sede do folguedo do Engenho Cumbe para a cidade. Sem a concordância do dono, o político deixou o maracatu e levou as fantasias confeccionadas durante sua gestão. “Aquele ano (1990) foi muito difícil pra Cambinda. Ficamos quase sem nada e saímos só com 28 caboclos”, conta João Estevão da Silva, caçula dos filhos de João Padre. Em 1991, Biu Hermenegildo criou o maracatu Águia Misteriosa.
A história rendeu desavença entre amigos e uma rixa que permanece até hoje. “João Padre era meu compadre. Passei mais de 20 anos no Cambinda. Fui eu quem convenci o amigo a deixar os filhos dele brincarem de caboclo. Quando fui para o Águia Misteriosa o compadre não me perdoou. Quatro anos depois ele faleceu ainda sem falar comigo e eu não fui ao seu enterro. Acho que essa briga não devia passar de geração em geração. Se Cambinda nos convidar pra sambar com ele a gente samba”, diz o dono do Águia, José Rufino. Dentro do Cambinda, a querela permanece. “Meu pai nos proibiu de sambar com eles. Disse que os dois se acabam no dia que isso acontecer”, acredita João.