Cangaço e Misticismo

Grupo de Cangaceiros – Inicio século XX

Cangaço e misticismo são temas genuinamente ligados às coisas nordestinas, ao sertão. O homem sertanejo que viveu no final do século XIX e início do século XX conviveu sobremaneira com místicos e cangaceiros. Produtos da mesma cultura, vítimas de igual opressão. A fome e a miséria, que aumentavam com as secas, faziam com que se manifestassem dois tipos de reação: a formação de grupos de cangaceiros com armas nas mãos, assaltando fazendas, saqueando comboios, cidades e vilas; e seitas de místicos, geralmente em torno de um beato ou conselheiro, para implorar dádivas aos céus e pedir perdão pelos pecados. O fanático, em geral, era um homem que aprendeu a respeitar os santos, temer a Deus, praticar a virtude, ser justo, portanto não era um alienado, como alguns possam vir a pensar.

Paulo Dantas em seu prefácio para a segunda edição do livro “Lampião” de Ranulfo Prata, diz com bastante propriedade: “Os beatos pertencem ao chamado folclore mágico, já os cangaceiros ao folclore heróico”. O sertanejo vê no cangaceiro o anseio de justiça contra o poder político e as ordens dos coronéis. O cangaço acaba sendo uma forma de vingança. Lampião mata, depreda, incendeia, mas depois de alguns momentos reza, tira terço, ajoelha-se ao raiar do dia e ao final da tarde. A religiosidade arcaica do sertanejo é proporcional a sua valentia. O místico anda ao lado com o cangaço. Não podemos falar em misticismo sem citar Padre Ibiapina, Antonio Conselheiro, beato José Lourenço e padre Cícero, (para citarmos os mais importantes), todos cearenses, exceto José Lourenço, nascido nas Alagoas.

Porém o acontecimento místico que talvez esteja mais ligado a nós, principalmente pelo legado que nos deixou, seja o do venerável padre Cícero Romão Batista, ao qual daremos destaque. Cearense nascido no Crato, ordenou-se no seminário da Prainha, em Fortaleza no Ceará. Voltando a seu torrão natal, instalou-se em um povoado chamado Joazeiro, até então distrito do Crato. Naquela ocasião Joazeiro era um pequeno arruado com algumas poucas choupanas e uma pequenina capela. No ano de 1889, na primeira sexta feira de março, a beata Maria de Araújo caiu em transe ao receber a hóstia das mãos do padre Cícero, fato repetido várias vezes. É dito também que as hóstias sangraram. A noticia se espalha, não só no Cariri, mas em todo sertão nordestino. Multidões acorrem a Joazeiro para presenciar o milagre. A Igreja interpreta a situação como uma ameaça a seu poder.

Anos depois o padre é acusado de acoitar cangaceiros. Uma das maiores polêmicas envolvendo o famoso reverendo do Juazeiro se deu no ano de 1926. Em maio daquele ano, Lampião e seu bando adentraram ao Juazeiro. O convite havia partido do Dr. Floro Bartolomeu da Costa, médico baiano radicado em Juazeiro e uma espécie de braço político do Padre Cícero. O motivo seria que Lampião e seu grupo dessem combate a Coluna Prestes. Para tal, Lampião receberia uma patente de Capitão do Batalhão Patriótico. O Dr. Floro Bartolomeu é acometido de doença grave e é levado ao Rio de Janeiro, vindo a falecer. O padre recebe o cangaceiro, e para outorgar as patentes prometidas, de forma até bizarra, convoca o Sr. Pedro Albuquerque Uchoa, único funcionário público federal do lugar, e manda redigir e assinar as patentes de capitão para Virgulino e de tenentes para Sabino Gomes, seu braço direito, e Antonio Ferreira, seu irmão.

 

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