Sendo o orixá Iemanjá considerado arquétipo na etnia iorubá, tendo em sua origem a função de Mãe das águas doces, dado o seu povo viver às margens do rio Obá, com o transporte dos negros para o Brasil, em maior número para a Bahia, passaram a viver na orla marítima, tornando-se, mais tarde, pescadores. O mar passou a ser para eles a grande Mãe e a figura de Iemanjá, e, em homenagem a esta, o bonito ritual marítimo das procissões com embarcações ornamentadas, as flores lançadas ao mar, a entrada nas águas, os votos etc. Ao mesmo tempo, presidindo a frota engalanada, o barco-chefe, enfeitadíssimo, conduzindo o andor com a imagem de Nossa Senhora da Conceição, aclamada com cânticos da Igreja, aplausos e fogos. Esse comportamento popularmente espontâneo é o que leva muitos antropólogos e estudiosos a tecerem infinitas explicações, os escritores a exporem seus conceitos e a imaginação popular a criar lendárias fantasias e saborosas interpretações.
Elias Leite
[Leite, Elias. Maria e Iemanjá no sincretismo afro-brasiuleiro (simbiose e arquétipo). São Paulo: Editora Ave-Maria, 2003, p. 33.]

O conhecido imbricamento entre a religião católica e as tradições religiosas trazidas para o Brasil pelos escravos africanos tem sido motivo para alentados estudos acadêmicos ao longo de décadas. O assunto tem se revelado um campo fértil para antropólogos, sociólogos, psicólogos e outros profissionais da área das ciências humanas. Dentre os muitos aspectos evidenciados, um dos que mais desperta a atenção dos estudiosos diz respeito a duas das figuras mais reverenciadas pelo católicos e pelos praticantes dos cultos afro-brasileiros: Nossa Senhora e Iemanjá. É deste tema que trata o livro Maria e Iemanjá no sincretismo afro-brasileiro, escrito por Elias Leite.
Tendo como referência a religião Católica, a Umbanda e o Candomblé, o autor aborda as interrelações entre Nossa Senhora e Iemanjá.
Ao estabelecer as diferenças entre uma e outra, afirma o autor a propósito de Iemanjá: Iemanjá lembra a figura de Ninfa, mostra-se como ser que vive no fundo dos mares, e, para comunicar-se com os seres humanos, aparece como desaparece em figura de mulher e é tida como Sereia do Mar, Mãe-Sereia, (a Uyara, brasílica), mora nas águas e na terra, e como Mãe das águas é conhecida e invocada (p. 81).

Quanto a Nossa Senhora, escreve: Já a figura de Maria, por todos os aspectos, é terrestre, humana e mística, com a missão definida de Mãe, por ação divina, segundo a fé teológica, e cooperante no mistério salvífico de Cristo, o Filho de Deus (p. 81).
Prosseguindo, estabelece algumas diferenças entre uma e outra: A diferença é fundamentalmente doutrinal e efetiva. Uma atua com seres humanos configurados com a Natureza – Água – Terra. A outra (Maria) se relaciona com seres humanos na Terra, em direção escatológica no processo salvífico, rumo ao céu. Daí a habitual exclamação popular: “Nossa Mãe do Céu!”ou “Mãe do Céu!” (p. 81).
Algumas similaridades, porém, podem ser facilmente identificadas entre as duas divindades: A conhecida imagem de Iemanjá cultuada nos Terreiros e encontrada nas lojas de objetos de culto do Candomblé e Umbanda, parece inspirada nas imagens católicas de Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora das Graças. O aspecto tem algumas afinidades. As cores branca-azul, cabelos longos caídos sobre os ombros, rosto de mulher branca, veste estilo ocidental. A estampa oficial, pela pintura, os mesmos traços que a imagem, porém mais perfeitos, com o detalhe da fusão da orla da veste com as águas do mar. Bem simbólico. A imagem, como a estampa, traz na fronte um diadema de rainha, encimado por uma estrela. Faz lembrar, no conjunto, a invocação mariana a que já nos referimos – a Stella Maris. Rainha e Estrela do Mar. Representação sincrética (p. 88).
