A poética dos cantadores de viola do sertão cearense: a poesia de Cego Sinfrônio

Cêgo Sinfrônio, raízes do Carirí Cearense

É sobre a poesia dos cantadores de viola de que trata esta sessão, de forma específica, sobre a poesia de Sinfrônio Pedro Martins, o Cego Sinfrônio. Sinfrônio nasceu em Messejana, um bairro de Fortaleza-CE, por volta de 1880.

A produção poética dos cantadores de viola manifesta-se de maneira oral. A respeito da poesia oral, escreve Zumthor (2010, p.84): “[…] a poesia oral geralmente comporta mais e mais complexas regras do que a escrita: nas sociedades de forte predominância oral, ela constitui, muitas vezes, uma arte muito mais elaborada do que a maior parte dos produtos de nossa escrita”.

A poesia oral dos cantadores de viola realiza-se em formato de cantoria. Discorrendo sobre o gênero cantoria, Zumthor (2010, p. 109) afirma que é uma “[…] disputa estilizada, em princípio improvisada mas estreitamente regulada, destinando-se a valorizar a virtuosidade dos poetas”. Mesmo acontecendo de forma improvisada, um dos princípios que rege a cantoria, ela não deixa de respeitar suas regras próprias. Esse procedimento promove a virtuosidade do poeta.

Para Sautchuk (2012, p. 15), “O termo ‘cantoria’ designa o gênero poético-musical, a situação de sua apresentação e o campo social formado por cantadores e seus ouvintes”. Integram a cantoria “habilidades de composição e apresentação”. Estas habilidades, ainda de acordo com Sautchuk (2012, p. 24), são “Mais do que técnicas de composição poética, canto e execução instrumental”. Elas “[…] dizem respeito a estratégias de relação com o outro cantador, com a plateia, com as normas poéticas, com conhecimentos, com modelos cognitivos”.

Acrescem-se a essa discussão, algumas definições sobre o cantador, o responsável por ecoar a voz que se concretiza em forma de poesia. De acordo com Leonardo Mota, importante estudioso cearense e entusiasta da arte de versejar, os cantadores são “[…] poetas populares que perambulam pelos sertões, cantando versos próprios e alheios; mormente os que não desdenham ou temem o desafio, pela peleja intelectual em que, perante o auditório ordinariamente numeroso, são postos em evidência os dotes de improvisação de dois ou mais vates matutos” (MOTA, 2002, p 3).

Além de Leonardo Mota, registra-se o nome de outro pesquisador da poesia oral, Gustavo Barroso. Este define a poesia como a mais completa manifestação artística do sertão, que se apresenta sob dois aspectos: o repentista e o tradicional. Interessa a este trabalho o repentista que é afinado em desafios, em glosas e em quadras líricas, elegíacas e amorosas (BARROSO, 2006). Quanto ao tradicional, recita poemas alheios.

Zumthor (1993) utiliza o termo intérprete para o cantador da poesia oral, ressaltando que sua condição de intérprete equivale a uma “presença”. Para Zumthor (1993, p. 71), o intérprete da poesia oral “[…] é, em face de um auditório completo, o ‘elocutor concreto’ de que falam os pragmatistas de hoje; é o ‘autor empírico” de um texto cujo autor implícito, no instante presente, pouco importa, visto que a letra desse texto não é mais letra apenas, é o jogo de um indivíduo particular, incomparável”.

No Brasil, conforme Sautchuk (2012), é na região nordeste, especialmente no sertão nordestino, que as cantorias mais se desenvolvem. Quatro são os estados onde se nota o maior registro de cantadores: Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. São oriundos desses estados os mais famosos cantadores como Raulino Silva, Ivanildo Vila Nova, Edmilson Ferreira, Antonio Lisboa, Geraldo Amâncio dentre outros. No Nordeste, subsiste uma oralidade que pode ter durado mais de dois séculos.

Os gêneros poéticos comumente utilizados pelos cantadores da época eram, ainda de acordo com Mota (2002), obras de seis, sete ou oito pés (sextilhas de versos de sete sílabas, obra é qualquer estrofe e pé é o verso); o moirão (pode ser de cinco ou sete pés); o martelo (descante de toada rápida, preferido para as pelejas violentas, feito, geralmente, em décimas); a obra de nove-por-seis (estrofe de nove versos, dos quais seis têm sete sílabas, os três restantes – o segundo, o quinto e o oitavo – têm três); a ligeira (quadra bipartida, de versos de sete sílabas, com a rima obrigatória em á e precedida do refrão “Ai, d-a- dá”); o quadrão (quando em vez de dois, se canta alternativamente só um verso); o gabinete (décima de versos de dez sílabas); o galope (sextilha de decassílabos); a embolada (décima de versos de cinco sílabas); e, por fim, o dez pés em quadrão (décima de versos de sete sílabas). (MOTA, 2002)

É com as estrofes a seguir, de Cego Sinfrônio, o exemplo que se registra do talento e da espontaneidade dos versos dos cantadores de viola. Elas compõem um extenso poema apresentado a Leonardo Mota quando da primeira vez que esteve em sua casa:

Anda já em quarenta ano

Que eu vivo somente disso…

Achando quem me proteja,

Eu sou bom neste serviço:

Eu faço vez de machado Em tronco de pau muciço..

*

Esta minha rabequinha

É meus pés e minhas mão,

Minha foice e meu machado,

É meu mio e meu feijão,

É minha planta de fumo,

Minha safra de algodão…

*

Eu, atrás de cantadô,

Sou como boi por maiada,

Como rio por enchente,

Como onça por chapada

Como ferrôi por janela,

Menino por gargaiada […]

(MOTA, 2002, p. 9)

Por Maria Elisalene Alves dos Santos – R e v i s t a P r o l í n g u a

Fonte de pesquisa: www.readcube.com

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