“Viajando o Sertão” obra de Luís da Câmara Cascudo
24/01/2021
“Fundamentos da Família Sertaneja”
“O Sertão foi povoado, dos fins do séc. XVII para o correr do séc. XVIII, por gente fisicamente forte e etnicamente superior. Enfrentava os índios quem não tinha medo de morrer nem remorsos de matar. As famílias seguiam o chefe que ia fazer seu ‘curral’ nas terras sabiamente povoadas de paiacus, janduís, panatis, pégas, caicós, nômades, atrevidos, jarretando o gado e trucidando os brancos. O gado era o fixador.” (p.31)
“Tivemos, pois, como fundamento da Família sertaneja, o homem pastoril, a feito às batalhas do campo, às necessidades das descobertas de novas pastagens.” (p.31)
“(…) O meio de vida criou o tipo do fazendeiro pomposo do séc. XIX que, cem anos antes, era o dominador dos índios, caçando as caboclas à pata de cavalo para os haréns metendo-se em ‘raids’ extensos pelas matas e serras brutas, sitiando os currais nos lugares mais altos ou abrigados. A Casa-Grande surgiu com um centro polarizador.” (p.31-32)
“Esses resultados dizem de que sangue valoroso saíra o sertanejo primitivo. Mestiço não coloniza nem mantém ação ininterrupta. É impulsivo, inteligente, apreendedor, mas dispersivo, arrebatado, original. Impossível sem uma energia em linha reta, sem desfalecimento e solução de continuidade, semear as fazendas em todo interior do Rio Grande do Norte, num cenário hostil, desde a natureza até o aborígine.
Os troncos seculares que foram replantados de Portugal pertenciam aos ‘homens-bons” ou à fidalguia das filhas, agricultores de S. Miguel, Terceira e Faial. Os Soares, Araújos, Bezerras, Medeiros, Raposo da Câmara, Pimentas, Fernandes, Queirós, Ferreira de Melo, Vieiras, Cunhas, Nogueiras, vinte outros nomes, vinham com a certeza do combate áspero contra o selvagem, contra a natureza sem adaptação às exigências do homem europeu contra maneiras de alimentação, indumento, viagem, o próprio passo com que se habituara no Minho, Trás os Montes ou Algarves. Eis por que diferenciamos o sertanejo etnicamente. Ele ficou, séculos, quase sem misturar-se.”(p. 32)
“(…) pureza do veio comum e antigo.” (p.32)
“Essas famílias tradicionais que dominam a regiões inteiras, distribuindo ordens com naturalidade feudal, fazendo justiça clandestina, olhando seus redeiros e moradores com membros da gens, elementos que devem obedecer e ser protegidos, são herdeiras diretas dos povoados, vitoriosos do índio, da seca, das feras e da solidão, plantadores de fazendas nos araxás das serras (…), núcleos de irradiação civilizadora e contínua.” (p. 32-33)
Fonte de pesquisa: CÂMARA CASCUDO, Luis da. Viajando o Sertão . 3ª ed. Natal: Fundação José Augusto – CERN, 1984; por Mirella Farias