Poesia e oralidade na obra de Patativa do Assaré

Patativa do Assaré

Bem marcante a diferença entre a voz falada (interpretada através da performance) do poeta e a voz cantada, quando Patativa do Assaré se apresenta como cantor, como intérprete de suas próprias composições. A análise que faço de Patativa do Assaré e da sua cantoria tem a ver também com o fato de me colocar na posição de cantora e pesquisadora ao mesmo tempo. Isso leva a refletir sobre a metodologia que se utiliza para compreender o fenômeno musical dentro de uma determinada época. Nesse sentido, Elizabeth Travassos afirma, em Um objeto fugidio: voz e musicologias, que o fato de o pesquisador ser ou não, ele mesmo um cantor, também deve ser levado em conta:

Estilo e qualidade vocal, assim como cultura, originalidade e criação, são elementos que caracterizam a voz falada ou cantada e a transformam em voz artística, personificada pelo timbre e estruturas inerentes ao lócus. Sem esses paradigmas e a imersão em seus signos, um ouvinte não pode traduzi-la em conceitos formais, ficando tão somente no âmbito da preferência ou gosto musical. Somente pode decodificá-la quem está inserido no mesmo contexto cultural e o tem como conceito de verdade. O observador, ouvinte ou analista padrão dificilmente poderão ter critérios de assimilação e classificação do objeto voz, e qualquer forma heterogênea de compreensão desse mecanismo pode fracassar, visto que implica pertencimento, transculturação e ressignificação.

Essa experiência não pode ser negligenciada, pois fazer certa qualidade vocal corresponder a um rótulo verbal é um exercício básico ao qual os cantores estão habituados. No citado ensaio, Elisabeth Travassos afirma:

Relativos e particulares, as concepções e usos da voz revelados nas etnografias, não são definidos a priori pelo analista – não há um ponto de vista absoluto de onde se possa determinar em quê e como diferem a fala e o canto, como fazem algumas vezes, os estudiosos da voz ao afirmar que as variações de altura, duração e intensidade dos sons são menores, menos estáveis e controladas na fala do que no canto, e que as variações na qualidade vocal são mais toleradas na fala e evitadas no canto.

Patativa do Assaré foi cantador e repentista, mas a sua fama nacional viria dos seus poemas escritos em português erudito ou em linguajar matuto. O linguajar matuto, que era, para ele, uma forma de resistência e da afirmação da peculiaridade da sua gente,  caracterizase por ser uma linguagem cabocla:

[…] o linguajar da rude gente sertaneja é tão crivado de erros, de mutilações e acréscimos, de permutas e transposições, que os vocábulos, com frequência, se desfiguram completamente, sendo imprescindível um elucidário para o leitor não habituado a essas formas bárbaras e, ao mesmo tempo, refeitas de típico e singular sabor. […] Essas marcas da oralidade confirmam a origem rural do poeta e reforçam o caráter sertanejo do universo descrito. O registro de língua utilizado, a alteração das palavras e o vocabulário regional, conferem a estes textos, todo o sabor e originalidade da língua do interior das terras, do sertão.

Fiel às regras da versificação, herdadas dos cantadores populares e dos poetas parnasianos clássicos, o poeta-cantador fazia uma ponte entre a poética popular e toda uma herança da poesia romântica e parnasiana e mesmo de antigas formas de versificações ibéricas, como a “oitava camoniana.” Essa afirmativa se baseia na espontaneidade, na naturalidade e na beleza do ritmo do poema Cante lá que eu canto cá,  no qual faz a opção pelo linguajar matuto, quase um dialeto.

A melhor expressão dessa naturalidade, vigor, originalidade e canto está no poema Cante lá que eu canto cá. Nele traça um paralelo entre a sua vida e o seu canto e a vida e o cantar de um poeta urbano, da elite:

Canto as fulô e os abróio

 Com todas coisa daqui:

 Pra toda parte que eu óio

 Vejo um verso se bulí.

 Se as vêz andando no vale

Atrás de curá meus male

 Quero repará pra serra

 Assim que eu óio pra cima,

 Vejo um divule de rima

 Caindo inriba da terra

*

Mas tudo é rima rastêra

 De fruita de jatobá,

De fôia de gamelêra

 E fulô de trapiá,

 De canto de passarinho

 E da poêra do caminho,

 Quando a ventania vem,

 Pois você já tá ciente:

 Nossa vida é deferente

 E nosso verso também.

A poesia, jorrando como música natural, fazia parte da sua vida. Fazia versos enquanto trabalhava, na enxada, todos os dias, para tirar da terra o seu sustento. Se ele falava era para recitar sua poesia; se o mundo existia, era para ser transformado em poemas, quer seja na abordagem, nas dores e amores da vida cotidiana, quer seja nos poemas mais engajados e de luta por transformações sociais, no quadro do latifúndio nordestino e na injusta submissão do camponês a contratos de trabalhos aviltantes. A revisão de literatura sobre o tema em questão aborda os principais trabalhos sobre a obra

UNB – Dissertação de Myrlla Muniz Rebouças – Patativa do Assaré: Poesia, Canção e Consciência

Fonte de pesquisa: www.repositorio.unb.br

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